sexta-feira, 29 de março de 2013

Cruz e Trindade



CRUZ E TRINDADE
            A cruz é um escândalo. Todavia é o único fato do qual um cristão deve se gloriar (Gl 6,14). Como assimilar e até se gloriar de um escândalo? Para H.U.von Balthasar isto só é possível se olharmos para a cruz como um evento da Trindade. É o Pai quem toma a iniciativa (2Cor 5,18). Esta iniciativa da reconciliação é concretizada pelo Filho e a prova de sua efetividade é o Espírito Santo (Rm 8, 1.6; 9,10).   Desta forma a cruz resplandece como meio de reconciliação do mundo com Deus. Esta é a única maneira de se interpretar a cruz. Posto que a partir dela temos a manifestação plena do amor de Deus como afirma H.U. von Balthasar:
Amor de Deus Pai que, no acontecimento da cruz se manifesta mais forte que todas as potencias do mundo.[...] e amor de Cristo que se mostra em sua entrega por nós [...] o parêntesis  deste duplo amor que abarca em todo caso tudo o que acontece dentro do parêntesis como ato de reconciliação, mas que não pode, com motivo do parêntesis, voltar-se não redimido e vão.[1]
            Por conta disso não há sentido teorias sobre possíveis formas de reconciliação do mundo como se um decreto divino, ou pontualmente a Encarnação ou ainda uma única gota de sangue de Cristo fossem suficientes para redimir a humanidade. Vale lembrar que
Deus é o fundamento e o sentido de seu próprio agir no mundo, e que somente a tolice pode, abstraindo de sua ação real, procurar outra forma possível de ação, mas que é preciso dizer positivamente que tornar-se solidário com os que se perderam significa mais do que morrer, exterior e representativamente por elas, [...] significa uma aceitação livre e singular da culpa do mundo pelo Filho interiormente único do Pai, cujo divina-humanidade é também aquele unicamente capaz de um tal encargo.[2]
            Por este motivo é que no Gólgota se realiza o único sacrifício de eficácia absoluta (Hb 7-9). Todos os demais sacrifícios neste se cumprem e são superados. No acontecimento da cruz fica patente que Deus não tolera o pecado. Ele não pode amar o pecado e o mal se encontra em total contradição com a natureza divina; Por isso, “Deus não pode perdoar o pecado sem expiação. A pura anistia é ignorância do mal, a qual diminui a gravidade do pecado ou mesmo lhe reconhece o direito de existência.” [3] É essa ira divina encontrada em todo o Antigo Testamento que Jesus deve conduzir ao seu fim escatológico em sua Paixão. Eis a outra face da moeda do amor, pois amar o bem não seria possível sem a Ira contra o mal e a injustiça.                                                            Em resumo, para H.U.von Balthasar, devemos olhar para a cruz em seu enraizamento trinitário e sua abertura à Trindade. Do contrário, nunca alcançaremos aquilo que a Cruz deseja revelar. E a cruz do Filho é revelação do amor do Pai (Rm 8,32; Jo 3,16) e a efusão do sangue deste amor se realiza interiormente, mediante a efusão de seu comum espírito no coração dos homens (Rm 5,5).



[1] BALTHASAR, Hans Urs Von, Gloria. Tomo VII. pg.170 [Amor de Dios Padre que, en el acontecimiento de la cruz se manifiesta más fuerte que todas las potencias del mundo.[...] y amor de Cristo que se muestra en su entrega por nosotros [...] El paréntesis de este doble amor abarca em todo caso todo lo que acontece dentro del paréntesis como hecho de reconciliación, pero que no puede, con motivo del paréntesis,volverse irredento y vano]
[2] FEINER, Johannes & LÖHRER, Magnus. Mysterium Salutis – Compêndio de Dogmática  Histórica Salvífica. Vol. III/6: Mysterium Paschale, Colaboração de Hans Urs von Balthasar. Petrópolis: Vozes, 1974. pg.95
[3] Idem pg.96

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