A Paixão,
Morte e Ressurreição de Jesus refletem o amor de Deus para com os homens, o
mergulho do Deus soberano na miséria da humanidade. Depois do evento Jesus as
profundezas de nossas vidas, todas as nossas fragilidades são esquadrinhadas
por Deus e a ele passam a pertencer. De dentro ele nos redime e expressa assim
a plenitude do espírito humano, voltado sempre ao divino e dele sedento. Meditamos
sobre a misericórdia, sobre amor, sobre Justiça e injustiça, mas o que muitas
vezes não está resolvido em nossas meditações e orações é a nossa própria
injustiça, a forma como tratamos a salvação, o perdão, o amor de Deus. Um
grande desafio para nossa fé diz respeito a uma das figuras envolvidas
diretamente na trama para matar Jesus: Judas Iscariotes que a partir de agora
trataremos de O caso Judas.
Para
tratar deste caso, devemos compreender o seu alcance. A história nos jogou
neste grande desafio: o que Judas fez foi escolha dele ou foi
predestinação? Ele foi escolhido pra trair? Ou escolheu ser o traidor? Se Jesus
entrou em oração e escolheu os que quis, o fato de ter escolhido Judas,
demonstrava que ele preparou o traidor? E relativa a Deus mesmo, como pode ser
Deus misericordioso se para redimir a humanidade teve que condenar um homem a
ser lembrando na história dos homens como o traidor do Filho de Deus? Algumas respostas foram
dadas e devem ser examinadas para evitar que tenhamos uma imagem distorcida
acerca de Deus e da própria humanidade. Alguns acreditavam que Judas deveria
ser apresentado à humanidade como modelo porque foi graças à sua atitude frente
a Jesus que tivemos acesso aos dons que nos salvam. Neste sentido, Judas seria
um tipo de herói dramático pois, o seu trabalho sujo garantiu a libertação da
humanidade. Algumas variações dão a
entender que o próprio Jesus teria preparado Judas para ser o traidor e assim
colocar em rotação definitiva a roda da salvação. Outra corrente alega que
Judas Iscariotes por sua adesão ideológica a movimentos populares e
revolucionários do tempo de Jesus acreditava como muitos que Jesus era o
Messias, entretanto, o Messias guerreiro, que pelo poder evocaria as forças de
Deus para libertar o seu povo. A decisão de Judas é então a ajuda necessária
para que Jesus se manifestasse frente aos inimigos. Traiu para apressar Jesus a
se revelar como Messias guerreiro. Ao perceber que Jesus não seria o que ele
esperava, entrou em profunda agonia e tirou a própria vida. Estas respostas
expressam tentativas de defender Judas Iscariotes, podem até conseguir porque
ambas as imagens possuem adeptos, entretanto, as duas encobrem aquilo que é
mais significativo em todo o caso Judas: a liberdade do homem.
Judas não é
alguém privado da possibilidade de escolher, ele não é um predestinado a ser o
traidor para colocar em andamento a obra da salvação. A traição de Jesus e
consequentemente sua morte se inscrevem no arco da liberdade humana e foram
permitidas por Deus. Deus permite a morte violenta de seu Filho em respeito à
liberdade do ser humano. Se alguém acredita que Judas foi predestinado lançará
sombras na imagem de Deus e na pregação de Jesus porque se assim fosse, o que
seria a conversão? Judas trai Jesus porque escolheu ser o traidor. Encontramos
duas passagens que podem nos ajudar: “Judas Iscariotes que se tornou o
traidor!” Mc 3, 16- 19. Este “que se tornou” mostra que ninguém pode ter
nascido traidor de Jesus, a traição é um processo. “O que tens que fazer, faze-o depressa!” Jo
13,27. Talvez não seja muito viável
acreditar que esta seja uma afirmação compatível com a tese de uma predestinação
e caso possamos falar de uma predestinação de Judas Iscariotes, nunca
poderíamos admitir sua perdição sem que isto comprometesse os mesmos planos de
Deus. Imaginar uma predestinação é zombar dos planos de Deus e achar que ele
brinca com a vida de seus filhos. “O que
tens que fazer, faze - o depressa” expressa uma exigência de tomada de decisão,
o fim da neutralidade e o assumir de tudo o que veio sendo construído ao longo
do caminho. Ou seja, o fim da vida de aparências.
O relato dos Evangelhos
(desconsideremos as divergências que seguem esquemas teológicos próprios) dão a
entender que dentro do grupo dos doze, qualquer um pode ser o traidor. Mc 14,
13-21, encontramos “E eles começaram a entristecer-se e a dizer-lhe um
após outro: Sou eu? E outro disse: Sou eu?”, até que chegue à mais escandalosa
apresentação da fraqueza do grupo dos doze expressa por Lucas “Perguntavam
então os discípulos entre si quem deles seria o que tal haveria de fazer. Surgiu
também entre eles uma discussão: qual deles seria o maior.” (Lc 22, 8-26), uma crítica contundente ao grupo dos doze. A verdade é que jamais teremos
condições de falar sobre as verdadeiras motivações de Judas para trair Jesus e acreditar que ele fez isso por dinheiro é algo delicado porque embora João 12 o chame de ladrão e o critique por não se preocupar com os pobres e sim com o dinheiro, o fato de valorizar um perfume por 300 moedas e uma pessoa por 30, demonstra que o problema não é o dinheiro.
Uma pessoa que propõe a venda da vida de um homem por dez por cento do valor de um perfume demonstra que existe um desejo diferente do simples levar vantagem financeira, estamos diante de uma questão ideologica a separar Judas de Jesus. E daí entenderemos o que se
quer dizer quando se afirma que só o filho da perdição não permaneceu com Jesus
ou a intrincada afirmação de que ao receber o pão, entrou nele Satanás. Quem
sabe, encontremos resposta na afirmação de que o traidor põe com Jesus a mão na
tigela pois se é Jesus quem serve, colocar a mão na tigela pode expressar o desejo de
servir a si mesmo e este é um perigo não virtual e sim vivo no grupo de Jesus! O que
podemos afirmar é que esta traição vem das escolhas que qualquer um de nós
sempre poderá fazer livremente!
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