A
cruz é a execução do juízo de Deus com relação ao pecado que se concentrou e se
tornou visível no Filho (2 Cor 5,21). Relacionada a este juízo de Deus há uma
linha que se inicia na Antiga Aliança, estende-se até Paulo e depois João. No
Antigo Testamento Deus mesmo é o juiz como Aquele que guarda seus direitos
estabelecidos na Aliança, portanto é nesta fidelidade que Ele expressa quem É.
Na
Antiga Aliança, o direito estabelecido por Deus é o fundamento de toda a
confiança, do qual sua justiça não é senão um aspecto, como também são a sua
fidelidade, paciência, condescendência. Deus como justo que é, e por isso juiz
do cumprimento da Aliança (Sl 50,6), sempre desce e intervém de forma que o
errado se corrija, expressando envolvimento com o futuro de sua obra criada.
Por
levar a sério o seu parceiro de Aliança é que Deus o busca, reconduz, pelo
julgamento que corrige pedagogicamente. Desta maneira, não há nenhuma aceitação
da injustiça por parte de Deus. Seja qual aspecto possua, a injustiça é
alcançada, consumida e aniquilada pela vida de Deus. E pelo fato de não existir
um ser humano que em suas próprias potencialidades consiga restabelecer os
laços que a própria humanidade rompeu com Deus é que o próprio Deus por uma
sucessão de castigos e perdões deixa claro que o excesso de pecado exige uma
definitiva rejeição de onde se erguerá a promessa de uma salvação definitiva
(Dt 30,15-20). Nesta mesma tradição Paulo vê a consumação de toda a Antiga
Aliança na cruz e Ressurreição de Jesus.
Nenhum
outro, a não ser o próprio Deus garante os dois lados da Aliança como
homem-Deus, Ele não apenas elimina a injustiça por meio de compromissos, mas
faz toda a sua justiça consumir a injustiça do mundo com o intuito de tornar
acessível a todos a sua justiça. Desta purificação,
Deus é ao mesmo tempo sujeito e objeto do julgamento e da justificação ao tomar
o partido dos homens e defender a causa de Deus em favor deles. Para H.U.von
Balthasar, é na cruz
Onde Deus assume sobre si enquanto Cristo homem toda
a culpa de Adão (Rm 5,15-21) a fim de se entregar (Rm 4,25) como personificação
viva do pecado e da inimizade (2Cor 5,21; Ef 2,14) à condenação da parte de
Deus (Rm 8,3) é para ser ressuscitado por Deus, como vida de Deus morta e
sepultada em meio ao abandono divino por causa de nossa justificação (Rm 4,25).
E isto não é tomado em sentido mítico [...] e nem deve ser atenuado, naquilo
que se refere à Cruz de Cristo, como se o crucificado tivesse recitado Salmos
numa íntima e imperturbada comunicação com Deus e tenha morrido na paz divina.[1]
Mas é João quem
expõe o caráter judicial da cruz com uma radicalidade superior à de Paulo.
Embora pareçam contraditórios, pois de um lado Jesus é o autor e senhor de todo
juízo (5,22), é exercido por Ele mesmo (8,16. 26) e para isto ele veio ao mundo
(9,39), de um outro, Ele não veio para julgar e sim para salvar (3,17; 12,47).
Todavia, sua existência realiza o juízo (3,18) que se une à exaltação na cruz
(12,31) onde o Espírito Santo lhe apresentará ao mundo como inocente.
Percebe-se que na teologia de João, Glória e Cruz não são momentos distintos,
mas é na cruz que revela a glória. Então fica mais claro em que sentido a hora em João significa glorificação e
julgamento. Este juízo por sua vez é provado subjetivamente como perturbação
(12,27) e objetivamente significa rompimento e isto quer dizer que
Na
cruz não há nenhum livro da Sabedoria, pois que a própria luz do mundo se
obscureceu, a ‘hora das trevas’ venceu-a, e toda a Sabedoria de Deus se tornou
‘loucura’, para destruir a ‘sabedoria dos sábios’ (1 cor 1,19-21).
Este sofrimento se explicita na imagem
utilizada por Jesus: o Cálice que
representa a ira divina que o pecador deve beber (Is 51,17. 22; Jr 25,15; Ez
23,31ss; Sl 75,9). E pelo Batismo que
encontra um paralelo no Antigo Testamento com as águas que a tudo consomem (Is
43,2; Sl 42,8; 69,2s). Neste ser mergulhado nas águas é que se realiza o juízo
sobre o mundo (Jo 12,31) e assim o velho mundo conhece a ruína em contato com a
cruz de Cristo. Posto que ao atingir Jesus, nada encontra nele sobre o qual o antigo
poderio deste mundo possa exercer seu poderio (Jo 14,30).
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