sexta-feira, 29 de março de 2013

O início da Agonia






Em sentido estritamente histórico, é no Horto das Oliveiras que a Paixão começa. Aquele é o lugar das entregas, da redução à obediência, e em virtude disto, manifestação da unidade indissolúvel de vontade entre o Pai e o Filho.   Para H.U.von Balthasar, a Paixão tem um alcance interno em Jesus e se iniciaria com o estupor e o pavor que conduzem ao isolamento (Mc 14,33) Exteriormente se inicia com o atirar-se ao chão encontrado em Marcos, o relato mais antigo (14,35) e atenuado por Mateus que substitui este atirar-se por um ato de adoração:  a prostração. E Lucas que ainda reduz o impacto com mais veemência ao traduzir o termo por dobrar os joelhos.                                                                                        Encontramos no Horto das Oliveiras uma crescente relacionada ao isolamento. Com relação a Deus há uma solidão, mas ainda assim, Jesus dirige a ele um grito afetuoso e suplicante, o chamando de Abba, mas não há comunicação alguma com ele. Em Lucas a solidão não é total por conta do anjo que vem consolar Jesus e em João há ainda uma voz que vem do céu, mas não anuncia a glória de Jesus, e sim a do Pai (Jo 12, 28). A solidão relacionada aos discípulos é primeiramente geográfica expressa nas palavras de Jesus: vocês aqui e eu ali... Entretanto, a solidão mais marcante consiste no fato de os discípulos não serem capazes de acompanhar Jesus em sua luta contra a agonia. A cada instante o caminho de Jesus se explicita como um caminho único.

2.4.1. ACEITAÇÃO DO PECADO: A SOLIDARIEDADE COM O HOMEM PECADOR
O que os Sinóticos apresentam como angústia, o Evangelho de João chama de perturbação (Jo 11, 33. 38; 12,27; 13,21). Para H.U.von Balthasar, é indispensável, se desejarmos compreender o significado desta perturbação
Colocarmos o combate travado na oração, em meio ao pavor de enfrentar a hora que consiste em beber o cálice da ira apocalíptica, tal como o descreve o relato do Horto das Oliveiras, em confronto com as grandes afirmações soteriológicas de Paulo (2 Cor 5,21; Rm 8,3; Gl 3,13s) e de João (12,31;16,11)
Desta correta análise de textos, concluiremos que a hora é a aceitação do pecado do mundo em sua existência corporal, psíquica e pessoal do mediador representante. Seria pouco sustentar a eficácia da ação expiatória apenas na inocência, liberdade ou dignidade singular da pessoa. Ao contrário, é mister ressaltar com toda a sua seriedade própria, e com toda a sua profundamente a afirmação dogmática de que Jesus de Nazaré é o Filho de Deus ou em linguagem da Teologia Dogmática, O Verbo de Deus que se fez carne é consubstancial ao Pai. Esta consubstancialidade é a condição de possibilidade de uma aceitação da culpa universal, como afirma claramente H.U. von Balthasar:
No abandono de Deus que conheceu o crucificado, reconhecemos que fomos libertados do abandono filial de Deus; situação que não poderíamos evitar por nenhum esforço próprio separado da Graça. Mas esta visão da cruz nos impede de passar por cima dela [...] e a pavorosa realidade do sentir-se abandonado por Deus nos revela com toda claridade que o inferno não é uma ameaça educativa ou uma mera ‘possibilidade’, mas sim que é a realidade que conhece de modo eminente o abandonado por Deus, pois ninguém pôde experimentar, nem sequer aproximadamente, um abandono tão terrível como o do Filho, eternamente unido, de modo essencial, com o Pai Eterno.
             A teologia antiga projetou duas barreiras a esta afirmação: a primeira é uma teologia que sustenta o fato de a alma de Cristo gozar de uma visão beatifica do Pai, mesmo durante a Paixão, o que excluiria a experiência do pecado. A segunda fala de uma teologia da predestinação que excluía uma paixão expiatória em favor daqueles que certamente seriam condenados por Deus.                                                     Supondo a superação destas barreiras, serviço de teólogos como Boaventura e Tomás de Aquino, H.U.von Balthasar sustenta que a agonia do monte das oliveiras é uma solidariedade de Deus com os pecadores a tal ponto que a iminente e real perda de Deus por parte dos homens foi assumida pelo amor encarnado de Deus feito homem.
No Monte das Oliveiras, é o definitivo, brusco mergulho no abismo da angústia, que logo se fecha sobre Ele; é a Angústia por representação, sofrida por cada pecador e por cada pecado diante do Deus da absoluta justiça. Todas as angústias do Antigo Testamento e do Novo são aqui resumidas e potencializadas ao infinito, porque a pessoa que sofre na natureza humana é o próprio Deus infinito. 
            Nas palavras do Próprio H.U.von Balthasar no momento em que “sobre Jesus se descarrega o pecado do mundo, Ele já não se distingue, nem o seu destino daquele dos pecadores. E pelo fato de Jesus ser o possuidor de um amor infinito, Ele experimenta uma angústia e um pavor infinitamente maiores do que um pecador deveria enfrentar, pois quanto maior é o amor, maior é a dor da compaixão.

2.4.2. REDUÇÃO À OBEDIÊNCIA 

            A grande luta ocorrida no horto das Oliveiras tem por finalidade revelar que mesmo no limite que representa a humanidade real como um despojamento da condição divina, permanece firme a unidade de vontade trinitária de Amor.                                                  
A vontade do Pai é o conteúdo e a forma de tudo o que se desenvolveu no horto, tornando-se impossível qualquer mudança de atenção. Assim se cumpre o programa de toda vida de Jesus como está expresso em João (4,34; 5,19; 6,38; 8,55; 12,49), ilustrado no lava-pés e afirmado pela entrega da vida (Mc 10,42045). Desta maneira se justifica que
Toda obediência terrena do Filho brota não de uma decisão espontânea de seu eu humano de colocar-se à disposição para uma tarefa estranha, mas sim de uma decisão tomada já desde sempre que fundamenta toda sua existência terrena. O Filho é desde sempre Aquele em cujo âmbito ‘O Pai realiza suas obras.’ (Jo 14,10)
            Esta tese é fundamental para a pregação Apostólica que interpretou a vida de Jesus à luz do Servo sofredor. É o que nos mostra Fl 2,5-11 e a carta aos Hebreus quando estendendo a obediência de Jesus à sua existência eterna, vêem a própria Encarnação como obediência (Hb 10,5-10). E mais amplamente tanto Hb quanto Fl vêem como ponto culminante de toda a vida de Jesus a obediência. No caso da Carta aos Filipenses até a morte de Cruz e no Caso de Hebreus até a angústia do Horto onde Jesus aprendeu a obediência.                                                                                              
O mais essencial para H.U.von Balthasar é o fato de no Horto das Oliveiras toda a perspectiva futura ter sido suspensa, enquanto que as primeiras predições da Paixão eram acompanhadas pela afirmação da ressurreição. No embate que se conclui com o não a minha, mas a tua vontade, todos os esquemas que até então, baseados no destino do Servo sofredor de Isaías se desfaz e assim, “todo sentido se reduz inexoravelmente à humilde aceitação da vontade do Pai por si mesma, Não se cogita aí o fato de que a fé na imortalidade da alma, da teologia apocalíptica tardia, tenha atenuado de antemão as asperezas do aguilhão da morte (Sb 2,24; 3,2s)”                                                  
 Em pauta se encontra o cumprimento da vontade do Pai que consiste em salvar o mundo, assumindo e carregando o pecado e por se tratar de uma revelação da intimidade entre Pai e Filho, toda história da Paixão deixa o demônio à parte. A aceitação do Pecado do mundo por parte de Deus (Jo 1, 29) é suficiente para desarmar o inimigo (Cl 2,15). Esta aceitação da vontade do Pai por ela mesma, ainda sem aparentemente lhe mostrar futuro glorioso (Mc 8,31; Lc 9,22; Hb 12,2; Dn 3,34 em oposição a Jo 13,1) é o que permite a Jesus deixar-se levar pelos homens e pelo próprio Deus.


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