De forma pormenorizada se encontra
nos Evangelhos o relato do que aconteceu na cruz. Ao longo da história as
palavras ditas por Jesus foram harmonizadas e piedosamente constituem ponto
meditativo. Todavia, a palavra chave que até fundamenta
todas as outras se encontra em
Marcos. O grito de abandono na cruz apresenta “o abandono do Filho por parte do Pai;
abandono este que, sendo aquele que o sofre como homem o próprio Deus, é um
abandono absoluto e, por conseguinte, medida absoluta do abismo.”
Este
grito de Jesus é uma seta ao que há de mais singular na
Paixão de Jesus: a revelação do Esvaziamento divino. As outras palavras podem
ser lidas no mesmo contexto da situação do abandono expressa nos acontecimentos
ao mesmo tempo objetivo e subjetivo da cruz. Assim, quando João fala da sede,
ainda estamos no âmbito do abandono. Agora, a partir da visão da fonte que
jorra para a vida eterna (4,10.13ss; 7,37) e vai morrendo de tanto se esvair.
Este paradoxo relativo à sede explica as zombarias acerca do médico (Mt 27,42)
e a da confiança em Deus que o resgatará se o amar. A palavra sobre a mãe que
demonstra historicamente a condescendência com a situação de Maria, que além de
viúva, agora sem ninguém que a ampare, teologicamente demonstra uma comunhão
pela cruz, pelo fato de se subtrair a ela, tal como o Pai se subtrai ao Filho.
Em
Lucas vemos transparecer o aspecto da Graça na cruz de Jesus (Lc 23,34): o
perdão aos inimigos reside na realização da Paixão e a palavra ao ladrão que
por um lado apresenta o juízo da cruz como separação no sentido de Mt 25,31-46.
Ainda a substituição que Lucas faz do salmo 22,2 pelo 31,6 (Lc 23,46a)
testemunha o abandono no sentido joanino onde de um lado há a doação do
Espírito ( Jo 19,30) do outro o
cumprimento da missão (Jo 19,30a).
A missão do
Filho encontra seu fim no instante em que o Espírito Santo no julgamento/Glorificação
da Cruz se torna livre no último suspiro de Jesus (Jo 7,39) e pode por este
motivo ser soprado na Igreja pelo próprio ressuscitado (Jo 20,22) e assim
aprofundar a revelação salvífica da quênose de Deus. Desta maneira, a morte na
cruz e a palavra de quem está morrendo, mostram que a obediência terrestre
encontra a sua raiz na vida intra divina, não tendo sua fonte em uma decisão
humana. Revela que Jesus é sempre e já aquele em quem o Pai concretiza a sua
obra (Jo 14,10) e cujo alimento é realizar esta obra (4,34). É no extremo da
abertura do Filho que a soberania do Pai se afirma (Jo 12,27ss).
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