A jornada de Jesus na
terra seria impensável sem as relações, sem a partilha de vida com aqueles que
em sua liberdade escolheu para estar em sua presença (Mc 3,13). Com eles Jesus
partilhou de seu poder (Mc 1,17; 3,14;6,7) e os iniciou em seus mistérios (Mc
4,11), sobretudo nos mistérios de sua Paixão (Mc 8,31).
Embora
o conceito de pessoa acolha como fundamental o conceito de relação, no caso de
Jesus adentramos em um paradoxo: O caminho de sua paixão é essencialmente
único: segui-lo na etapa mais decisiva é temporariamente impossível (Jo 13,33),
e mesmo aqueles que tentam e prometem segui-lo (Mt 26,33; Jo 11,16) devem
perder a confiança com relação a Ele e traí-lo. Apenas quando as luzes da
ressurreição tiverem dissolvido as trevas que envolveram os discípulos quando o
mestre morreu é que eles estarão aptos para seguir como testemunhas na vida e
na morte (Jo 21,19).
Se
quisermos entender este estranho seguimento dos que tropeçam ao tentar
segui-lo, não podemos recorrer a nenhuma imagem do Antigo Testamento acerca dos
mártires. Pois Jesus nos chama para o seguir em um caminho único que apenas ele
pode abrir por meio da cruz e assim nos levar ao pleno estar com em uma comunhão com sua pessoa. E assim será expresso na Ceia.
Duas tradições nos
descrevem o conteúdo de toda esta hora. A primeira, de Paulo e dos Sinóticos
falam da Ceia. A segunda é a apresentação de um último serviço exercido por
Jesus, o lava-pés. Estas duas tradições não se excluem, pelo contrário, unem-se
porque aquilo que o lava-pés simboliza, torna-se concreto na distribuição de
si. O fato de se doar anteceder cronologicamente a violência sofrida na Cruz
indica que sua entrega livre é “pressuposto
e o fundamento ontológico do sentido salvífico universal da Paixão”[1].
Desta
maneira a passividade de Jesus na Paixão expressa a vontade de auto-entrega livre
que supera os limites de uma auto-determinação para marcar um anterior deixar-se determinar puro e sem fronteiras. Em outras
palavras, trinitário. Deus se entrega ao mundo e põe em ato uma entrega
salvífica disposta e iniciada em
uma Paixão pessoal singular que atrai a si todo o sofrimento
eterno e temporal possível ao homem criado. A grande conseqüência deste gesto
de Jesus na Eucaristia é a sua irreversibilidade, seu caráter definitivo e
escatológico em que todo o gesto jamais será anulado. Em suma, na Eucaristia,
realiza-se
O
que, teologicamente, a presença das chagas diz do ressuscitado: que o estado de
entrega vivido durante a Paixão passa, positivamente sublimado, ao estado
eterno de Jesus Cristo glorificado. Assim, entre o seu estado celeste e o seu
estado Eucarístico não cabe diferença que afete a disponibilidade interior de
Cristo[2]
Em outras palavras, a ressurreição não torna
secundária a Paixão, mesmo que à obediência corresponda sua exaltação como
senhor (At 2,30; Fl 2,11). Jesus só é o leão vencedor (Ap 5,5) como cordeiro
imolado (Ap 5,6) ante o trono de Deus. O criador por meio da Eucaristia promove
um alargamento da estrutura criada sem que para isto precise desrespeitá-la (Jo
10,18) e esta passa a ser portadora e sujeito da vida trinitária, de forma que
a criação passa a ser auto-expressão de Deus. Jesus, o crucificado é o mesmo
ressuscitado e por ter chegado ao extremo, revela que é eternamente Eucaristia
ao Pai sem que o tempo o aprisione ou sua existência seja simples recordação.
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