quinta-feira, 28 de março de 2013

A Ceia do Senhor



A jornada de Jesus na terra seria impensável sem as relações, sem a partilha de vida com aqueles que em sua liberdade escolheu para estar em sua presença (Mc 3,13). Com eles Jesus partilhou de seu poder (Mc 1,17; 3,14;6,7) e os iniciou em seus mistérios (Mc 4,11), sobretudo nos mistérios de sua Paixão (Mc 8,31).                                                 
Embora o conceito de pessoa acolha como fundamental o conceito de relação, no caso de Jesus adentramos em um paradoxo: O caminho de sua paixão é essencialmente único: segui-lo na etapa mais decisiva é temporariamente impossível (Jo 13,33), e mesmo aqueles que tentam e prometem segui-lo (Mt 26,33; Jo 11,16) devem perder a confiança com relação a Ele e traí-lo. Apenas quando as luzes da ressurreição tiverem dissolvido as trevas que envolveram os discípulos quando o mestre morreu é que eles estarão aptos para seguir como testemunhas na vida e na morte (Jo 21,19).                                  

Se quisermos entender este estranho seguimento dos que tropeçam ao tentar segui-lo, não podemos recorrer a nenhuma imagem do Antigo Testamento acerca dos mártires. Pois Jesus nos chama para o seguir em um caminho único que apenas ele pode abrir por meio da cruz e assim nos levar ao pleno estar com em uma comunhão com sua pessoa.  E assim será expresso na Ceia.

A ceia é para Jesus um ponto culminante ardentemente desejado, marcado por uma designação de sentido: antes que eu padeça (Lc 22,15) e das perspectivas escatológicas negativas: não mais comer, não mais beber ( Lc 22,16.18). Há na chegada da hora uma disposição de Jesus sobre si mesmo (Jo 13,1). Para além deste momento o que segue é a realização de tudo o que aqui é antecipado: a morte. É o caminhar escatológico até o fim (Jo 13,1).

Duas tradições nos descrevem o conteúdo de toda esta hora. A primeira, de Paulo e dos Sinóticos falam da Ceia. A segunda é a apresentação de um último serviço exercido por Jesus, o lava-pés. Estas duas tradições não se excluem, pelo contrário, unem-se porque aquilo que o lava-pés simboliza, torna-se concreto na distribuição de si. O fato de se doar anteceder cronologicamente a violência sofrida na Cruz indica que sua entrega livre é “pressuposto e o fundamento ontológico do sentido salvífico universal da Paixão”[1].                                                                                                                                           

Desta maneira a passividade de Jesus na Paixão expressa a vontade de auto-entrega livre que supera os limites de uma auto-determinação para marcar um anterior deixar-se  determinar puro e sem fronteiras. Em outras palavras, trinitário. Deus se entrega ao mundo e põe em ato uma entrega salvífica disposta e iniciada em uma Paixão pessoal singular que atrai a si todo o sofrimento eterno e temporal possível ao homem criado. A grande conseqüência deste gesto de Jesus na Eucaristia é a sua irreversibilidade, seu caráter definitivo e escatológico em que todo o gesto jamais será anulado. Em suma, na Eucaristia, realiza-se

O que, teologicamente, a presença das chagas diz do ressuscitado: que o estado de entrega vivido durante a Paixão passa, positivamente sublimado, ao estado eterno de Jesus Cristo glorificado. Assim, entre o seu estado celeste e o seu estado Eucarístico não cabe diferença que afete a disponibilidade interior de Cristo[2]
Em outras palavras, a ressurreição não torna secundária a Paixão, mesmo que à obediência corresponda sua exaltação como senhor (At 2,30; Fl 2,11). Jesus só é o leão vencedor (Ap 5,5) como cordeiro imolado (Ap 5,6) ante o trono de Deus. O criador por meio da Eucaristia promove um alargamento da estrutura criada sem que para isto precise desrespeitá-la (Jo 10,18) e esta passa a ser portadora e sujeito da vida trinitária, de forma que a criação passa a ser auto-expressão de Deus. Jesus, o crucificado é o mesmo ressuscitado e por ter chegado ao extremo, revela que é eternamente Eucaristia ao Pai sem que o tempo o aprisione ou sua existência seja simples recordação.


[1] RIBEIRO, Clarita Sampaio Mesquita. Mysterium Paschale: A Quenose de Deus segundo Hans Urs von Balthasar. São Paulo: Loyola, 2004 pg.96
[2] Idem. pg.96

Nenhum comentário:

Postar um comentário

* Caso o comentário seja contrário a fé Católica, contrário a Tradição Católica será deletado.


Queria dizer que...

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.