Embora
confessemos que Cristo desceu aos infernos e suportou os sofrimentos para
libertar a humanidade, não há nada que possa ser dito com absoluta clareza
sobre o que venha a ser este sofrimento e menos ainda há para se falar sobre
como estes foram assimilados por Cristo. Na verdade, como diz o próprio H. U.
von Balthasar, o sábado santo é um lugar inabordável, abandonado a si mesmo,
sem nada preciso. A experiência da segunda morte assumida por Cristo como
conseqüência do que se explicitou no ponto anterior, ou seja, o abandono por
parte de Deus, não pode ser visto como o desespero de alguém que perdeu a fé. Este abandono se mantém dentro dos
limites da obediência ao Pai.
H.
U. von Balthasar cita Nicolau de Cusa para quem o sofrimento do sábado santo é
tomado em si mesmo e pertence à Paixão representativa propriamente dita:
A
visão da morte pela via da experiência imediata é o castigo mais completo, Ora,
sendo a morte de Cristo perfeita, pois Ele, por própria experiência, viu a
morte que escolhera livremente para sofrer, sua alma desceu aos infernos, onde
se dá a visão da morte. Com efeito a morte se chama inferno e foi liberada do
inferno mais profundo. O inferno inferior ou mais profundo, acha-se ali, onde o
homem vê a morte, Quando Deus ressuscitou a Cristo, arrancou-o, como lemos nos
Atos dos Apóstolos, do inferno inferior, depois de o libertar dos suplícios do
inferno, por isso é que diz o profeta: ‘Ele não o deixou no inferno’. A paixão
de Cristo, que é maior que se possa imaginar, era como o sofrimento dos
condenados que já não podem ser condenados, isto é, Ele chegou até ao castigo
infernal. Só Ele foi quem entrou em sua glória, mediante uma tal morte. Ele
quis sofrer a poena damni no inferno, semelhante aos condenados, para a Glória
de seu Pai, a fim de mostrar que devemos obedecer até o extremo suplicio. Isto
significa louvar e glorificar a Deus por todos os modos possíveis e para nossa
justificação, tal como Cristo o fez[1]
Isto nos dá a possibilidade de
perceber de que modo o Sheol e o Hades do Antigo Testamento passa a ser o
inferno neotestamentário. Tal passagem só pode ser fundamentada
Cristologicamente posto que antes do evento Cristo nada nem neste mundo nem no
outro era definitivo porque somente diante de Cristo é possível se chegar a uma
decisão definitiva. (Hb 6,4-8; 10,26-29;12,16-17.25). H.
U. von Balthasar declara ser um erro teológico voltar sobre o Antigo Testamento
o conceito neotestamentário de inferno, pois baseado neste se levantaria
questões insolúveis acerca do sábado santo. E cita Santo Agostinho como um dos
teólogos que melhor identificou a transição do Hades do Antigo Testamento ao
inferno que no Novo Testamento está em função do evento Cristo. Entretanto, uma
vez que Cristo sofreu não só por aqueles que eram justos, mas por todos como
afirmam as Escrituras (1Tm 2,4-6; 4,10; Tt 2,11; Rm 12,32; 1 Cor 10,33; Fl
2,11; Hb 9,28; 1 Pd 3,9; Jo 12,32), então
Deus,
que no princípio criou o céu e a terra e não os pode criar senão em si mesmo, em
sua sabedoria, poder e ser [...] de onde Deus, pode sustentar e abrigar em si
toda a liberdade de suas criaturas, até as suas últimas conseqüências, até a
sua rebeldia e própria condenação. E assim Deus não vê soçobrar em um final
trágico o que um dia começou ‘muito bem’[2]
[1] FEINER, Johannes & LÖHRER,
Magnus. Mysterium Salutis – Compêndio de
Dogmática Histórica Salvífica. Vol.
III/6: Mysterium Paschale, Colaboração
de Hans Urs von Balthasar. Petrópolis: Vozes, 1974. pg.116
[2] BALTHASAR, Hans Urs von, Teodramática. Tomo II. Madrid: Ed. Encuentro,
1992.pg 288 [Dios , que en el principio creó el cielo y la tierra y no los pudo
crear sino en sí mismo, en su sabiduría, poder y ser [...] donde Dios, puede
sostener y abrigar en sí toda la libertad de sus criaturas, hasta en sus
ultimas consecuencias, hasta em su rebeldía y propia condenación. Y así Dios no
ve zozobrar en un final trágico lo que un día comenzó ‘muy bien’]
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