O Destino da Fé em Deus

Em nosso mundo convivemos diariamente com um terrível paradoxo: de um lado vemos o sofrimento de uma enorme parcela da população mundial que padece de fome! Do outro uma sofisticada tecnologia que mantêm um padrão de vida e uma estabilidade jamais sonhada pela humanidade.

Em um mundo no qual um bilhão de pessoas está abaixo da linha da pobreza, na mais absoluta miséria e passando necessidade daquilo que é mais básico, temos também uma tecnologia tão sofisticada a ponto de melhorar de tal maneira a forma de produção que poderia sanar de uma vez essa miséria que marca a história da humanidade, mas isso não acontece porque interesses de grupos manipula o poder e retêm a tecnologia a nas mãos de um pequeno grupo. No Brasil, parte da população é castigada por chuvas que já deixaram mais de trinta mortos enquanto outra parte é crucificada pela seca. O que há em comum nestas tragédias? As vítimas são as mesmas: os pobres. Os mais sofridos, os marcados pela omissão! Em um país de fachada como o nosso, no qual os direitos humanos são ironizados, a segurança é um fiasco, a saúde é uma vergonha a ponto de inaugurar-se um hospital sem médicos, pagando um cachê astronômico a uma cantora em vista de valorização e favorecimento de um determinado político. Um país que convive com o descaso, como o das obras destinadas às vítimas do desabamento no morro do bumba, como a zombaria causada pelo deputado condenado que não foi preso. Não consigo conviver com a ideia de que tudo isto se justificaria com a palavra de Deus que diz: os pobres sempre tereis convosco! Como se Deus fosse diretamente responsável por essas coisas.

Uma das frases da Bíblia muito repetida e pouco explicada “Pobres sempre tereis” Jo 12,8. Se essa citação bíblica não for examinada com cuidado, o mundo que vemos nos fará desacreditar porque um Deus que nao se preocupa com os sofredores, não merece nenhum tipo de louvor porque é só uma projeção do próprio ego humano. Olhemos o texto: Uma mulher tinha derramado um frasco de perfume na cabeça de Jesus. Custava trezentos denários, o equivalente ao salário de trezentos dias de trabalho. Um discípulo reclamou. Pela versão contada no Evangelho de são João era Judas: “A troco de que esse desperdício? Poderia ser vendido por mais de trezentos denários e distribuídos aos pobres” Mc 14,5. Jesus respondeu: “Pobres sempre tereis convosco e quando quiserdes, podeis lhes fazer o bem, mas a mim nem sempre tereis” Mc 14,7. Qual é o sentido desta frase? O que ela nos diz sobre o direito dos pobres? A frase vem do livro do Deuteronômio, 15,11. Faz parte da Lei do ano sabático, v.1-11. O Projeto de Deus pede que na comunidade dos crentes haja participação de bens. Por isso “não deve haver pobres no meio de ti”, 15,4.

Esta lei deve orientar o comportamento do povo de Deus. Na raiz da sua organização deve estar a preocupação constante: “No meio de nós não pode haver pobres” O povo de Deus, porém, não é o dono do mundo, não tem o controle das causas econômicas, sociais e políticas que geram a pobreza no mundo. Por isso, pobres sempre vão existir, uma vez que pelo que lemos no Evangelho de João, embora fale em favor dos pobres, Judas não pensa neles e sim no dinheiro. Enquanto a mulher que na versão de João é Maria irmã de Lázaro, dá o que tem de valor a Jesus, Judas quer tirar das pessoas para abastecer a si mesmo. Esta não é então a atividade de muitos dos nossos políticos? Como não acreditar que os pobres sempre existirão se vemos a cada dia uma raça de víboras a sugar o pouco que eles tem, através de políticas assistencialistas que mantêm o poder? Eles sempre vão aparecer na comunidade. Daí nasce a lei do Deuteronômio. “Nunca deixará de haver pobres na terra; é por isso eu te ordeno: abre a mão em favor do teu irmão, do teu humilde e do teu pobre em tua terra” Dt 15,11.

Esta lei tem o seguinte objetivo: no mundo de injustiça, o povo de Deus deve ser um sinal deste mesmo Deus. No mundo sempre vão existir os pobres, mas na comunidade não pode haver pobres. Ela deve ser organizar de tal maneira que os pobres possam ser acolhidos e ser favorecidos pela partilha. A comunidade, a Igreja, deve ser a Aliança de Deus com os homens na luta contra a pobreza; deve ser uma amostra grátis da verdadeira fraternidade que Deus quer para todos. Só assim a comunidade se converte em Boa Nova para os pobres. A reclamação do discípulo Judas (o tesoureiro, Jo 12,5), aparentava amor aos pobres. Na realidade, era uma maneira de escapar de um dever mais importante. Em vez de lutar pela organização da comunidade para que combatesse as causas da pobreza e acolhesse os pobres em Nome de Deus, pretendia uma espécie de “campanha rápida” para arrecadar trezentos denários e distribuí-los entre os pobres e sabemos por meio do Evangelista João não aconteceria porque ele era ladrão!

 A resposta de Jesus procede da tradição antiga da lei. Não permite que tranquilizemos a consciência com uma “campanha” que venha descaracterizar uma obrigação maior. A frase “pobres sempre os tereis convosco”  lembra do dever primário da comunidade: “Em teu meio não haverá nenhum pobre” Dt 15,4. Os pobres têm direito à nossa luta por seus direitos e interesses. Então como explicar aquele desperdício?  

No início da paixão de Jesus, aparece a mulher que derrama um perfume fino de trezentos denários, Mc 14,3-9; Mt 26, 6-13. No final da paixão aparece “um homem rico” Mt 27,57, que pede licença a Pilatos para enterrar Jesus num sepulcro novo, recém cavado na rocha, Mt 27,57-60; Mc 15,42-47. A insistência, por um lado, no perfume caro derramado com vistas ao sepultamento, Mc 14,8; Mt 26,12, e no sepulcro novo de um homem rico, mostra aos que têm fé nas Escrituras que os pobres devem ser socorridos como o próprio Jesus o foi nos momentos mais decisivos: alguém gasta o perfume caro, alguém cede um túmulo novo e gasta com ele perfume logo que ele é retirado da cruz. Pessoas o sepultam com todo o cuidado e assim, o pobre Jesus que nos enriquece com sua pobreza é socorrido pelos homens e mostra a verdadeira estrutura relacional entre a Igreja e os pobres! Se por um lado, os modelos econômicos não pararam de gerar pobres, infelizmente, cabe à sua Igreja estender a eles as mãos, vendo neles o próprio Jesus que necessita de alguém que o ampare!