sábado, 30 de março de 2013

Primeira Meditação sobre o Sábado Santo: Solidariedade na morte



A morte de Jesus é o ponto mais longínquo alcançado pelo amor de Deus aos homens. Solidário que foi em vida o é na morte. Um olhar para as escrituras como o que aqui efetuamos no ponto anterior nos encaminha a um posicionamento crítico em relação aos relatos oriundos do primeiro século.                                                                                 
 Esta criticidade não é rejeição de tais relatos, nem simples ordenação deles com base em uma escala de valores. Mais ainda eles devem ser decompostos e compostos de maneira nova para que alguns elementos passem a segundo plano, como por exemplo, a idéia de uma batalha épica entre Jesus e as forças infernais que desejam lhe tragar em suas ondas.  Outros pontos devem ser revisitados, como perspectivas escatológicas que foram conduzidas a segundo plano. Para H.U. von Balthasar é necessária uma purificação de conceitos e olhares pela moldura mitológica que veria Jesus como um novo Odisseu em busca de coordenadas para o retorno à casa.    
                                              
A descrição da retirada do corpo de Jesus da cruz, assim como o cuidado com o cadáver e a descrição do sepultamento testemunham a solidariedade: o corpo dever ser confiado à terra, como o grão de trigo,  subentendendo-se aí, inclusivamente, que a alma de Jesus ‘esteve’ com os mortos. Entre os mortos Jesus não é uma exceção. Também é sepultado, numa demonstração de mortal solidariedade na morte. Ser enterrado significa estar morto, com os mortos. Dizer que  Cristo esteve solidário com os mortos significa que foi solidário com o sheol, pois este faz parte da condição do pecador perante Deus. Por isso, o Sheol deve ser tomado no sentido vétero- testamentário clássico, sem as especulações do judaísmo tardio que concebe diferenças acerca da situação dos mortos que seriam compensados ou castigados. Especulações estas que adentraram o Novo Testamento marginalmente (significativamente em Lucas, como exemplo 16,19-31; 23.43). Assim, o paraíso, prometido ao ladrão e a geena, devem ser vistos dentro do conceito geral de Sheol: é o Hades, cujas chaves se encontram nas mãos do ressuscitado (Ap 1,18), o tártaro (2 Pd 2,4), a fossa (Is 24,22), o cárcere onde os anjos maus aguardam o juízo (Jt 6). O Pentateuco, Josué, Juízes e Reis desconhecem uma diferenciação quanto à sorte dos mortos. Falam, no máximo, de uma responsabilidade frente a Iahweh. Aos mortos correspondem as trevas (Jó 10,212; 17,13; 38,17; Sl 88,7.13; 143,3; 49,20), o pó (Jó 17,16; 20, 11; Sl 30, 10; 146,4; Is 26,19; Dn 12,2), o silêncio (Sl 94,17; 115,17). Da morte não se retorna (Jó 7,9; 10,21; 14,12), não há qualquer atividade (Ecle 9,10), nada se consome ( Eclo 14,11-17), não se sabe nada sobre o que ocorre na terra (Jó 14,21s; 21,21; Ecle 9,5; Is 63,16). Ninguém louva a Deus de lá (Sl 6,6; 30,10; 115,17; Eclo 17,27; Is 38,18). Por não possuírem nenhuma força (Is 14,10), os mortos são chamados de fracos, são como se não fossem (Sl 39,14; Eclo 17,28). Foi até os habitantes da terra do esquecimento (Sl 88,13), que Cristo se dirigiu após a morte. Deve se destacar que no Antigo Testamento as descrições sobre o Sheol têm ênfase maior na situação do morto. Ficando para segundo plano a localidade do Sheol. Os dois temas, o da localidade e o da situação do morto podem aparecer lado a lado na teologia cristã sem que exerçam influência um sobre o outro. E em inúmeras ocasiões a existencialidade seja enfatizada sem necessariamente vir acompanhada da reflexão sobre o lugar dos tormentos.                          
Explicitando esta opinião, H. U. von Balthasar diz que “é bastante significativo que Beda, admitindo embora a localização do inferno, conceba igualmente o inferno como ‘ato’. Neste sentido, o demônio carrega o seu inferno consigo por toda a parte aonde vai mesmo que ele deixe o inferno local."      Assim, H. U. von Balthasar acredita que uma desmitologização tão radical sobre o Sheol não seja freqüente, porém, ela deixa o caminho preparado para uma solidariedade anímica de Cristo morto com aqueles que estão no inferno espiritual.

            Esta solidariedade de Cristo no Sheol é o ponto final de sua vinda a este mundo. Mas há de se explicitar os motivos desta solidariedade. Para H. U. von Balthasar , o caminho da solidariedade foi primeiramente reconhecido por Santo Agostinho pois, este mundo que abrigou o Verbo é já por si só, inferior ao Céu e já pode ser considerado por aquele que habita o Céu como um inferno. Esta tese agostiniana teria influenciado Tomás de Aquino que afirmava a necessidade de Cristo ir ao Hades residir não na insuficiência da Paixão na cruz, mas no fato de Cristo ter assumido todos os defeitos dos pecadores[2]. O mais importante, contudo, é o fato de já no segundo século se afirmar que a participação na morte, faz parte da Encarnação. E com isso, “as dores da morte nas quais Cristo também foi envolvido, só seriam resgatados quando o Pai o ressuscitasse”, era o que afirmava Policarpo. Esta afirmação é partilhada por Tertuliano e ainda Santo Irineu para quem  “o Senhor observou a lei dos que morrem, para se tornar o primogênito dentre os mortos.”[3]                                                                                                                                  
 Nesta que é a lógica contida em todo o morrer humano, H. U. von Balthasar afirma não haver nada sobre uma descida e muito menos ainda de um combate ou ainda de um cortejo triunfal de Cristo através do Hades: Quanto mais a experiência da morte encerrasse objetivamente uma vitória inferior e, com isto, um triunfo sobre as forças adversas, tanto menos seria necessário que houvesse alguma experiência subjetiva deste fato, pois isto teria justamente suprimido a lei da solidariedade. Posto que os mortos não possuem nenhum tipo de comunicação vital, ser solidário é justamente estar sozinho com outros igualmente sozinhos.



[2]  AQUINO, Santo Tomás de, Exposição sobre o Credo. São Paulo: Loyola. 1988
[3] IRINEU, Santo. Contra as heresias. São Paulo: Paulus, 2006. Livro I, V

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