A
morte de Jesus é o ponto mais longínquo alcançado pelo amor de Deus aos homens.
Solidário que foi em vida o é na morte. Um olhar para as escrituras como o que
aqui efetuamos no ponto anterior nos encaminha a um posicionamento crítico em
relação aos relatos oriundos do primeiro século.
Esta criticidade não é
rejeição de tais relatos, nem simples ordenação deles com base em uma escala de
valores. Mais ainda eles devem ser decompostos e compostos de maneira nova para
que alguns elementos passem a segundo plano, como por exemplo, a idéia de uma
batalha épica entre Jesus e as forças infernais que desejam lhe tragar em suas
ondas. Outros pontos devem ser
revisitados, como perspectivas escatológicas que foram conduzidas a segundo
plano. Para H.U. von Balthasar é necessária uma purificação de conceitos e
olhares pela moldura mitológica que veria Jesus como um novo Odisseu em busca
de coordenadas para o retorno à casa.
A descrição da retirada do corpo de
Jesus da cruz, assim como o cuidado com o cadáver e a descrição do sepultamento
testemunham a solidariedade: o corpo dever ser confiado à terra, como o grão de
trigo, subentendendo-se aí,
inclusivamente, que a alma de Jesus ‘esteve’ com os mortos. Entre os mortos Jesus não é uma exceção. Também é sepultado, numa
demonstração de mortal solidariedade na morte. Ser enterrado significa estar
morto, com os mortos. Dizer que Cristo esteve solidário com os mortos significa que foi solidário com o
sheol, pois este faz parte da condição do pecador perante Deus. Por isso, o
Sheol deve ser tomado no sentido vétero- testamentário clássico, sem as
especulações do judaísmo tardio que concebe diferenças acerca da situação dos
mortos que seriam compensados ou castigados. Especulações estas que adentraram
o Novo Testamento marginalmente (significativamente em Lucas, como exemplo
16,19-31; 23.43). Assim, o paraíso, prometido
ao ladrão e a geena, devem ser vistos
dentro do conceito geral de Sheol: é o Hades, cujas chaves se encontram nas
mãos do ressuscitado (Ap 1,18), o tártaro (2 Pd 2,4), a fossa (Is 24,22), o
cárcere onde os anjos maus aguardam o juízo (Jt 6). O Pentateuco, Josué, Juízes e Reis
desconhecem uma diferenciação quanto à sorte dos mortos. Falam, no máximo, de
uma responsabilidade frente a Iahweh. Aos mortos correspondem as trevas (Jó
10,212; 17,13; 38,17; Sl 88,7.13; 143,3; 49,20), o pó (Jó 17,16; 20, 11; Sl 30,
10; 146,4; Is 26,19; Dn 12,2), o silêncio (Sl 94,17; 115,17). Da morte não se
retorna (Jó 7,9; 10,21; 14,12), não há qualquer atividade (Ecle 9,10), nada se
consome ( Eclo 14,11-17), não se sabe nada sobre o que ocorre na terra (Jó
14,21s; 21,21; Ecle 9,5; Is 63,16). Ninguém louva a Deus de lá (Sl 6,6; 30,10;
115,17; Eclo 17,27; Is 38,18). Por
não possuírem nenhuma força (Is 14,10), os mortos são chamados de fracos, são como se não fossem (Sl
39,14; Eclo 17,28). Foi até os habitantes da terra do esquecimento (Sl 88,13), que Cristo se dirigiu após a
morte. Deve se destacar que no Antigo Testamento as descrições sobre o Sheol
têm ênfase maior na situação do morto. Ficando para segundo plano a localidade
do Sheol. Os dois temas, o da localidade e o da situação do morto podem
aparecer lado a lado na teologia cristã sem que exerçam influência um sobre o
outro. E em inúmeras ocasiões a existencialidade seja enfatizada sem
necessariamente vir acompanhada da reflexão sobre o lugar dos tormentos.
Explicitando esta
opinião, H. U. von Balthasar diz que “é
bastante significativo que Beda, admitindo embora a localização do inferno,
conceba igualmente o inferno como ‘ato’. Neste sentido, o demônio carrega o seu
inferno consigo por toda a parte aonde vai mesmo que ele deixe o inferno
local." Assim, H. U. von Balthasar acredita que
uma desmitologização tão radical sobre o Sheol não seja freqüente, porém, ela
deixa o caminho preparado para uma solidariedade anímica de Cristo morto com
aqueles que estão no inferno espiritual.
Esta solidariedade de Cristo no
Sheol é o ponto final de sua vinda a este mundo. Mas há de se explicitar os
motivos desta solidariedade. Para H. U. von Balthasar , o caminho da
solidariedade foi primeiramente reconhecido por Santo Agostinho pois, este
mundo que abrigou o Verbo é já por si só, inferior ao Céu e já pode ser considerado
por aquele que habita o Céu como um inferno. Esta
tese agostiniana teria influenciado Tomás de Aquino que afirmava a necessidade
de Cristo ir ao Hades residir não na insuficiência da Paixão na cruz, mas no
fato de Cristo ter assumido todos os defeitos dos pecadores[2]. O mais importante, contudo, é o fato de
já no segundo século se afirmar que a participação na morte, faz parte da
Encarnação. E com isso, “as dores da
morte nas quais Cristo também foi envolvido, só seriam resgatados quando o Pai
o ressuscitasse”, era o que afirmava Policarpo. Esta afirmação é partilhada
por Tertuliano e ainda Santo Irineu para quem
“o Senhor observou a lei dos que
morrem, para se tornar o primogênito dentre os mortos.”[3]
Nesta que é a lógica
contida em todo o morrer humano, H. U. von Balthasar afirma não haver nada
sobre uma descida e muito menos ainda
de um combate ou ainda de um cortejo triunfal de Cristo através do
Hades: Quanto mais a experiência da morte encerrasse objetivamente uma vitória
inferior e, com isto, um triunfo sobre as forças adversas, tanto menos seria
necessário que houvesse alguma experiência subjetiva deste fato, pois isto
teria justamente suprimido a lei da solidariedade. Posto que os mortos não
possuem nenhum tipo de comunicação vital, ser solidário é justamente estar
sozinho com outros igualmente sozinhos.
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