A Imaculada Conceição de Maria
Em 8 de dezembro de 1854, o papa Pio IX definiu o terceiro dogma mariano: Imaculada Conceição de Maria. Em sua Bula (carta) “Ineffabilis Deus”, o Pontífice declarou a doutrina que ensina ter sido Nossa Senhora imune de toda mancha de pecado original, no primeiro instante de sua conceição, por singular graça e privilégio de Deus Onipotente, em vista dos méritos de Cristo Jesus Salvador do gênero humano. Duns Scott (1266-1308) foi o teólogo que argumentou, historicamente, em favor do privilégio mariano, baseando-se na redenção preventiva. O dogma da Imaculada Conceição nos ensina que, em Maria, começa o processo de renovação e purificação de todo o povo. Ela “é toda de Deus, protótipo do que somos chamados a ser. Em Maria e em nós age a mesma graça de Deus. Se nela Deus pôde realizar seu projeto, poderá realizá-lo em nós também” (Dom Murilo S. R. Krieger - bispo e escritor mariano). Reza o dogma católico que a Bem-aventurada Virgem Maria, desde o primeiro instante de sua conceição, foi preservada do pecado original, por privilégio único de Deus e aplicação dos merecimentos de seu divino Filho. O dogma abrange dois pontos importantes:
a) O primeiro é ter sido a Santíssima Virgem preservada da mancha original desde o princípio de sua conceição. Deus a livrou da lei de propagação do pecado original na raça de Adão; ou por outra, Maria foi cumulada, ainda no começo da vida, com os dons da graça santificante.
b) No segundo, vê-se que tal privilégio não era devido por direito. Foi concedido na previsão dos merecimentos de Jesus Cristo. O que valeu a Maria este favor peculiar foram os benefícios da Redenção, na previsão dos méritos de Jesus Cristo, que já existiam nos eternos desígnios de Deus.
Como se dá a transmissão do Pecado Original. Primeiramente, é necessário esclarecer em que consiste a transmissão do "Pecado Original". A lei geral: "Todos os homens pecaram num só". Tal lei é certa e, segundo vamos demonstrar, não encontra a mínima contradição com o dogma católico. S. Francisco de Sales, no seu "Tratado do amor de Deus", exprime essa verdade de um modo singelo e glorioso!
"A torrente da iniqüidade original veio lançar as suas ondas impuras sobre a conceição da Virgem Sagrada, com a mesma impetuosidade que sobre a dos demais filhos de Adão; mas chegando ali, as vagas do pecado não passaram além, mas se detiveram, como outrora o Jordão no tempo de Josué, aqui respeitando a arca da aliança a torrente parou; lá em atenção ao Tabernáculo da verdadeira aliança, que é a Virgem Maria, o pecado original se deteve." É preciso compreender a diferença essencial que há entre "pecar em Adão" e "pecar pessoalmente", como são coisas bem distintas pertencer a uma raça pecadora e ser pecador.
De que modo, afinal, contraímos nós o pecado original? Tal transmissão não se pode fazer pela "criação" da alma; afirmar isso seria dizer que Deus é o autor do pecado, o que é impossível e repugna. Não se transmite tão pouco pelos pais, pois a alma dos filhos não se origina das almas dos pais, mas é criada por Deus. A transmissão se efetua pela "geração". A alma é criada por Deus no estado de inocência perfeita, mas contrai a "mácula", unindo-se a um corpo formado de um gérmen corrompido, do mesmo modo que ela sofreria, se fosse unida a um corpo ferido. É a opinião de Santo Tomás. Santo Agostinho diz a propósito: "Apesar de nascerem de pais batizados, os filhos vêm à luz com o pecado original, como do trigo inutilizado germina uma espiga, em que o grão é misturado com a palha." Nesse mistério do nascimento de uma criança, pelo exposto, opera-se uma dupla conceição: a da alma e a do corpo. Foi nesse momento quase imperceptível que Deus preservou do pecado original a "pessoa" de Maria Santíssima. Criou sua alma, como criou as nossas. Os progenitores de Nossa Senhora formaram-lhe o corpo, como nossos pais formaram o nosso. Até aqui tudo é natural; o milagre da preservação limita-se ao instante em que o Criador uniu a alma ao corpo. Desta união devia resultar a "transmissão do pecado". Deus fez parar o curso desta transmissão, de modo que nela a união se operou, como se tinha realizado na pessoa de Adão, quando Deus, depois de ter feito o corpo do primeiro homem, soprou nele o espírito, constituindo-o na perfeição da inocência e justiça original.
Maria é uma segunda Eva... Mas Eva antes de sua queda! Tal é a sublime doutrina da Igreja de Cristo.
Maria é uma segunda Eva... Mas Eva antes de sua queda! Tal é a sublime doutrina da Igreja de Cristo.
A Exceção à Lei Geral. Seria possível objetar-se que Deus não tem poder para derrogar as leis gerais por Ele mesmo estabelecidas? Seria negar a onipotência divina e fixar limites Àquele que não os tem. É uma lei geral que "todos pecaram num só". Tal fato é universal, e todas as criaturas a ele estão subordinadas. Todavia, nada impede que, antes de efetuar-se a união da alma com o corpo, Deus possa intervir e suspender "um dos seus efeitos", o qual é, precisamente, a transmissão desse "pecado original". A Sagrada Escritura está repleta dessas derrogações de leis gerais. O movimento do sol e da lua está matematicamente fixado pela lei da natureza; entretanto, Josué não hesitou em fazê-lo parar: "Sol detem-te em Gibeon, e tu, lua, no vale de Hadjalon. E o sol deteve-se e a lua parou" (Js. 10, 12-13). É uma lei que as águas sigam a correnteza do seu curso. Entretanto, "Moisés estendeu a mão..." o mar deixou livre o seu leito, partiram-se as águas, com um muro à sua esquerda e à sua direita (Ex. 14, 21 e 22). É uma lei que o um morto fique morto até à ressurreição geral; entretanto, o próprio Cristo-Deus, diante do cadáver de Lázaro, já em putrefação, exclamou: "Lázaro, sai!" (Jo 11, 43 e 41). E imediatamente aquele que estava morto saiu vivo.
Que prova isso, demonstra que "para Deus nada é impossível" (Lc 18, 27). Será, então, que os protestantes acham impossível que Deus preserve Maria Santíssima do Pecado Original? Se a lei geral fosse superior ao poder de Deus, como ficaria Jesus? Ele, em sua natureza humana, foi preservado do pecado original, mesmo nascendo de uma mulher. Se fosse impossível a Deus manter Imaculada a sua Mãe, também seria impossível manter "imaculado" o Seu Filho único, que nasceu verdadeiro Homem e verdadeiro Deus.
Provas na Sagrada Escritura: Depois da queda do pecado original, Deus falou ao demônio, oculto sob a forma de serpente: "Ei de por inimizade entre ti e a mulher, entre sua raça (semente) e a tua; ela te esmagará a cabeça" (Gn 3, 15). Basta um pouco de boa-vontade para compreender de que "mulher" o texto fala. A única mulher "cheia de graça", "bendita entre todas", na qual a "semente" ou (raça) foi Nosso Senhor Jesus Cristo (e os cristãos), é a Santíssima Virgem, a nova Eva, mãe do Novo Adão. Conforme esse texto, há uma luta entre dois antagonistas: de um lado, está uma mulher com o filho; do outro, o demônio. Quem há de ganhar a vitória são aqueles e não estes. Ora, se Nossa Senhora não fosse imaculada, essa inimizade não seria inteira e a vitória não seria total, pois Maria Santíssima teria sido, pelo menos em parte, sujeita ao poder do demônio através do Pecado Original. Em outras palavras, a inimizade entre a mulher (e sua posteridade) e a serpente, implica, necessariamente, que Nosso Senhor e Nossa Senhora não poderiam ter sido manchados pelo pecado original. Na saudação do anjo, quando S. Gabriel diz: "Ave, cheia de graça. O Senhor é convosco". Ora, não se exprimiria desta maneira o anjo e nem haveria plenitude de graça, se Nossa Senhora tivesse o pecado original, visto o homem ter perdido a graça após o pecado. A maneira da saudação do anjo transparece a grandeza de Nossa Senhora, pois o Anjo a saúda com a "Ave, Cheia de Graça". Ele troca o nome "Maria" pela qualidade "Cheia de Graça", como Deus desejou chamá-la. Ao mesmo tempo, a afirmação "o Senhor é convosco" abrange uma verdade luminosa. Se Nosso Senhor é (está) com Nossa Senhora antes da encarnação ("é convosco"). Sendo palavras anteriores à encarnação do verbo no seio da Virgem Maria, forçoso é reconhecer que onde está Deus não está o pecado. Ou seja, Nossa Senhora não tinha o "pecado original". Prossegue o arcanjo: Não temas, Maria, pois "achaste graça diante de Deus". Aqui termina a revelação da Imaculada Conceição para começar a da maternidade divina: "Eis que conceberás no teu ventre e darás à luz um filho, e por-lhe-ás o nome de Jesus". (Lc 1, 28). Pela simples leitura percebe-se a conexão estreita entre duas verdades: "Maria será a mãe de Jesus, porque achou graça diante de Deus". Mas, que graça Nossa Senhora achou diante de Deus para poder ser escolhida como a Mãe Dele? Ora, a única graça que não existia - ou que estava "perdida" - era a "graça original". Falar, pois, que: "Maria achou graça" é dizer que achou a "graça original". Ora, a "graça original" é a "Imaculada Conceição"! Os evangelhos sinóticos deixam claro que a palavra "Cheia de Graça", em grego: "Kecharitoménê", particípio passado de "charitóô", de "Cháris", é empregado na Sagrada Escritura para designar a graça em seu sentido pleno, e não no sentido corrente. A tradução literal seria: "omnino Plena Caelesti gratia" ou "Ominino gratiosa reddita": "Cheia de graça". Ou seja, a tradução do latim: "gratia plena" é mais perfeita do que a palavra portuguesa: "cheia de graça". Nossa Senhora não apenas "encontrou graça", mas estava "plena" de Graça. Corroborando o que disse o Arcanjo logo em seguida: "O Senhor é contigo". Falando à Santíssima Virgem que Ela "achara graça", o Arcanjo diz: Maria, sois imaculada, e, por isto, sereis a Mãe de Jesus Cristo. Também é pela própria razão que se pode concluir a Imaculada Conceição. É claro que o argumento racional não é definitivo, mas corroborou com muita conveniência - e completa harmonia - para com ele. Se Maria Santíssima fosse manchada do pecado original, essa mancha redundaria em menor glória para seu filho, que ficou nove meses no ventre de uma mulher que teria sido concebida na vergonha daquele pecado. Se qualquer mácula houvesse na formação de Maria Santíssima, teria havido igualmente na formação de Jesus, pois o filho é formado do sangue materno. S. Paulo assim se expressa sobre o ventre de onde nasceu o menino-Deus: "Cristo, porém, apareceu como um pontífice dos bens futuros. Entrou no tabernáculo mais excelente e perfeito, não construído por mãos humanas, nem mesmo deste mundo" (Hb 9, 12). Que tabernáculo é esse, "não construído por mãos humanas", por onde "entrou" Nosso Senhor Jesus Cristo? Fica claro o milagre operado em Nossa Senhora na previsão dos méritos de seu divino Filho. Negar que Deus pudesse realizar tal milagre (Imaculada Conceição) seria duvidar de sua onipotência. Negar que Ele desejaria fazer tal milagre seria menosprezar seu amor filial, pois, como afirma S. Paulo: Deus construiu o seu "tabernáculo" que não foi "construído por mãos humanas". Ora, este tabernáculo, feito imediatamente por Deus e para Deus, devia revestir-se de toda a beleza e pureza que o próprio Deus teria podido outorgar a uma criatura. E esta pureza perfeita e ideal se denomina: a Imaculada Conceição. Agora examinemos a Tradição, desde os primeiros séculos: S. Tiago Menor, o qual realizou o esquema da liturgia da Santa Missa, prescreve a seguinte leitura, após ler uns passos do antigo e do novo testamento, e de umas orações: "Fazemos memória de nossa Santíssima, Imaculada, e gloriosíssima Senhora Maria, Mãe de Deus e sempre Virgem". O santo Apóstolo não se limita a isso, mas torna a sua fé mais expressiva ainda. Após a consagração e umas preces, ele faz dizer ao Celebrante: "Prestemos homenagem, principalmente, a Nossa Senhora, a Santíssima, Imaculada, abençoada acima de todas as criaturas, a gloriosíssima Mãe de Deus, sempre Virgem Maria. E os cantores respondem: É verdadeiramente digno que nós vos proclamemos bem-aventurada e em toda linha irrepreensível, Mãe de Nosso Deus, mais digna que os querubins, mais digna de glória que os serafins; a vós que destes à luz o Verbo divino, sem perder a vossa integridade perfeita, nós glorificamos como Mãe de Deus" (S. jacob). O evangelista S. Marcos, na Liturgia que deixou às igrejas do Egito, serve-se de expressões semelhantes: "Lembremo-nos, sobretudo, da Santíssima, bendita Senhora Nossa, a Mãe de Deus e sempre Virgem Maria". Na Liturgia dos etíopes, de autor desconhecido, mas cuja composição data do primeiro século, encontramos diversas menções explícitas da Imaculada Conceição. Uma das suas orações começa nestes termos: Alegrai-vos, Rainha, verdadeiramente Imaculada, alegrai-vos, glória de nossos pais. Mais adiante, é pela intercessão da Imaculada Virgem Maria que o Sacerdote invoca a Deus em favor dos fiéis: "Pelas preces e a intercessão que faz em nosso favor Nossa Senhora, a Santa e Imaculada Virgem Maria.". Terminamos o primeiro século com as palavras de Santo André, apóstolo, expondo a doutrina cristã ao procônsul Egeu, passagem que figura nas atas do martírio do mesmo santo, e data do primeiro século: "Tendo sido o primeiro homem formado de uma terra imaculada, era necessário que o homem perfeito nascesse de uma Virgem igualmente imaculada, para que o Filho de Deus, que antes formara o homem, reparasse a vida eterna que os homens tinham perdido" (Cartas dos Padres de Acaia). A doutrina da Imaculada Conceição era, pois, conhecida no primeiro século e por todos admitida. A esse respeito, nenhuma contradição se levantou na primitiva Igreja. No século segundo, os escritos dos Santos Padres falam da Imaculada Conceição como um fato indiscutível. Entre os escritores e oradores deste século, contamos: S. Justino, apologista e mártir; Tertuliano e Santo Irineu. No terceiro século, existem também textos claros em defesa da Imaculada Conceição. Mas em menor quantidade. Santo Hipólito, bispo de Porto e mártir, escreveu em 220: "O Cristo foi concebido e tomou o seu crescimento de Maria, a Mãe de Deus toda pura". Mais além ele diz: "Como o Salvador do mundo tinha decretado salvar o gênero humano, nasceu da Imaculada Virgem Maria". Orígenes, que viveu em 226 e pareceu resumir a doutrina e as tradições de sua época, escreveu: "Maria, a Virgem-Mãe do Filho único de Deus, é proclamada a digna Mãe deste digno Filho, a Mãe Imaculada do Santo e Imaculado, sendo ela única, como único é o seu próprio Filho." Em um dos seus sermões sobre S. José, Orígenes faz o mensageiro celeste dizer ao santo: "Este menino não precisa de Pai na terra, porque tem um pai incorruptível no céu; não precisa de Mãe no Céu, porque tem uma Mãe Imaculada e casta na terra, a Virgem Bem-aventurada, Maria". No século quarto, aparecem inúmeros escritos sobre a Imaculada Conceição, cada vez mais explícitos e em maior número. Temos diante de nós as figuras incomparáveis de Santo Atanásio, de Santo Efrém, de S. Basílio Magno, de Santo Epifânio, e muitos outros, que constituem a plêiade gloriosa dos grandes Apóstolos do culto da Virgem Santíssima e, de modo particular, de sua Imaculada Conceição. Um trecho de Lutero, para mostrar que nem ele se atreveu a contestar a Imaculada Conceição: "Era justo e conveniente, diz ele, fosse a pessoa de Maria preservada do pecado original, visto o filho de Deus tomar dela a carne que devia vencer todo pecado".
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