sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Cartas Paulinas - Parte II



7. O Epistolário Paulino

            O conjunto das Cartas Paulinas compreende um total de treze Cartas que reivindicam a paternidade do Apóstolo Paulo. A ordem em que se encontram no cânon bíblico não reflete a data em que foram escritas, mas foram organizadas segundo a sua extensão.
            Alguns procuram agrupar as Cartas do seguinte modo:
            a) Cartas maiores: Romanos, 1-2 Coríntios, Gálatas e 1-2 Tessalonicenses.
            b) Cartas da prisão: Efésios, Filipenses, Colossenses e Filemon.
            c) Cartas pastorais: 1-2 Timóteo e Tito.
            Outra classificação pode ser feita a partir da possível autoria das mesmas:
            Cartas Proto-Paulinas: que seguramente são autênticas, isto é, que são de autoria do Apóstolo Paulo, e que são aceitas por todos os estudiosos: Romanos, 1-2 Coríntios, Gálatas, Filipenses, 1 Tessalonicenses e Filemon.
            Cartas Deutero-Paulinas: são aquelas cuja autenticidade não é segura ou é negada por um certo número de estudiosos: Efésios, Colossenses e 2 Tessalonicenses.
            Trito-Paulinas: 1-2 Timóteo e Tito. Essas dificilmente seriam do Apóstolo Paulo, pois usam uma linguagem diversa e tratam de problemas que existiam nas comunidades no final do I século.
            É certo que algumas Cartas de Paulo foram perdidas. Em 1Cor 5,9 já se fala de uma Primeira Carta aos Coríntios. Em Cl 4,16, Paulo se refere a uma Carta escrita aos cristãos de Laodicéia. E temos ainda a famosa “Cartas em lágrimas” aos Coríntios (2Cor 2,4). Alguns estudiosos afirmam que a Carta aos Filipenses é um conjunto de vários bilhetes. E também que a 2Cor é um ajuntamento de várias cartas, enviadas em datas diferentes.
            As Cartas não foram escritas do próprio punho pelo Apóstolo. Ele as ditava (cf. Rm 16,22) e às vezes assinava (cf. Gl 6,11). Talvez a carta a Filemon tenha sido o único escrito com sua própria mão.


         8. O estilo e linguajar das Cartas Paulinas

            Em Tarso havia o comércio de escravos, que Paulo deveria conhecer bem, pois usa essa imagem para falar da morte e ressurreição de Jesus (1Cor 6,20; 7,21-25). E várias vezes ele usa a imagem da “compra e resgate” para ilustrar a ação de Jesus em favor dos cristãos.
            Também havia uma ambiente cultural muito grande: arte, arquitetura, esportes, etc., e que Paulo conhecia muito bem, basta ver como usa seus conceitos para elaborar suas metáforas, como por exemplo a questão da “parada militar”.
            Em suas Cartas encontramos vários hinos (1Cor 13; Fl 2,5-11; etc.) que podem ser provenientes das comunidades onde Paulo evangelizava e que talvez não sejam de sua autoria, e que eram usados nas celebrações. Porém, nada impede que entre os tantos dons do Apóstolo, pudesse também ter o poético.


         9. Possível cronologia

            Não é fácil datar corretamente a vida e atividade de Paulo. Segue um possível esquema[1]:
            +  ano 5:          Nascimento em Tarso.
            +  ano 11:        Começa a freqüentar a escola na Sinagoga.
            +  ano 20:        Muda-se para Jerusalém para estudar e tornar-se fariseu na Escola de                                            Gamaliel.
            +  ano 35:        Experiência no caminho de Damasco: a “conversão”.
            Até o ano 37: Está na Arábia, Damasco e faz uma rápida viagem a Jerusalém (Gl 1,17-18).
            Até os anos 44 ou 45: Passa alguns anos em sua terra natal, Tarso.
            No ano 45:      Estadia em Antioquia da Síria.
            Anos 46 a 48: Primeira viagem missionária.
            Ano 49:           Em Jerusalém para o “Primeiro Concílio” da Igreja (At 15,1-35).
            Anos 49 a 52:             Segunda viagem missionária.
            Anos 53 a 58:             Terceira viagem missionária.
            Anos 59 a 62:             Quarta viagem missionária.
            Ano 68:           Morre mártir em Roma.

         10. As etapas da história

            Para compreender as Cartas Paulinas é importante situá-las no seu contexto histórico. A história das primeiras comunidades do NT pode ser dividida em três grandes partes[2]:

Dos anos 30 a 40
Dos anos 40 a 70
Dos anos 70 a 100
O anúncio do Evangelho entre os judeus
A expansão Missionária no mundo grego
Organização e consolidação das comunidades


            a) Dos anos 30 a 40
            É um período curto de apenas dez anos. O ponto de partida é a manifestação de Pentecostes (At 2,1-36) que gera o anúncio da Boa nova por toda a Palestina (At 2,41.47; 4,4; 5,14; 6,7; 9;31). Este período é também chamado “Movimento de Jesus”. Este período termina com a crise provocada pela política do imperador Calígula (37-41) e pela perseguição dos cristãos por parte do rei Herodes Agripa (41-44)[3].
            Neste período a maioria dos cristãos era formada por judeus convertidos. Fundavam comunidades ao redor das sinagogas, à margem do judaísmo oficial. O seu crescimento obrigou-os a criar novas formas de organização, como por exemplo, a escolha de novos animadores, chamados diáconos (At 6,2-6).
            O objeto da pregação era o anúncio da chegada do reino (Mt 10,6) e a Morte e Ressurreição de Jesus (At 2,23–3,6; 3,14-15; 4,10-12). Os evangelhos ainda não tinham sido escritos. E por isso eles liam o AT a partir do evento Jesus Cristo e repetiam os ditos e feitos de Jesus a partir do testemunho dado por aqueles que tinham visto e ouvido Jesus Cristo.
            Já neste período aparecia a primeira divergência entre os cristãos judeus. Havia um grupo mais ligado a Estevão, que buscava uma abertura aos judeus da diáspora e ao helenismo (At 7,1-53). De outro lado havia o grupo ao redor de Tiago, ligado aos judeus da Palestina, que defendia uma fidelidade à Lei de Moisés e à “Tradição dos Antigos” (Mc 7,5; Gl 1,14). Na primeira perseguição só os cristãos ligados ao grupo de Estêvão foram perseguidos (At 8,1). Porém, na segunda perseguição, aquela de Herodes Agripa (At 12,1-3), todos os grupos cristãos eram alvo da repressão. Esta perseguição aos cristãos, na Palestina, teve como conseqüência a missão para fora do território judeu. Paulo e Barnabé, seguindo a linha de Estêvão, estavam entre esses missionários que foram pelo mundo para formar novas comunidades.


            b) Dos anos 40 a 70
            A perseguição, o desejo missionário e a vontade de anunciar a boa nova a “toda a criatura” (Mc 16,15) levou os cristãos para fora da Palestina. Nesses trinta anos o Evangelho se expandiu por todo o império, chegando a todas as grandes cidades, inclusive a capital Roma, o “fim do mundo” (At 1,8).
            Se seguirmos a descrição das três viagens de Paulo e seus companheiros, narradas nos Atos dos Apóstolos, vemos que eles percorreram em torno a 16 mil quilômetros. Enfrentaram muitos problemas (2Cor 11,25-26) e também dificuldades da própria missão de anunciar o Evangelho.
            Além disso, a mensagem de Jesus foi marcada pelas mudanças de contextos. Vejamos as principais:
            Do Oriente                        → para o Ocidente
            Da Palestina                      → para a Ásia Menor, Grécia e Itália
            Da cultura judaica             → para a cultura grega (helenismo)
            Da realidade rural             → para a realidade urbana
            Das comunidades ao         → para comunidades ao redor das casas (oikój) nas periferias
                 redor das sinagogas                das grandes cidades da Ásia e da Europa.
           
            Estas passagens foram marcadas profundamente pela mudança de mentalidade e pela tensão entre os cristãos vindos do judaísmo e os novos cristãos que vinham de outras culturas (At 15; Gl 2). Foi um doloroso processo de conversão com muitos conflitos ao interno do próprio cristianismo. Imaginamos a dificuldade dos cristãos judeus, formados dentro da visão judaica da Lei, e que deviam abrir-se para uma visão universal de Deus. A passagem da visão de um povo eleito, privilegiado por Deus entre todos os povos para a certeza de que em Cristo todos os povos faziam parte de um único povo (multirracial e pluricultural) diante de Deus (Ef 2,17-18; 3,6).
            As comunidades que surgiam, pequenas e frágeis, levavam a sério a mensagem de Jesus. E foram os outros a reconhecer isso. Em Antioquia, para distingui-los, deram a eles o nome de Cristãos (At 11,26). E começaram assim a adquirir a sua própria identidade. Os Atos dos Apóstolos relatam a beleza e o vigor dessas primeiras comunidades (At 2,42-47; 4,32-37).
            Mas a dificuldade nossa hoje é que não temos as notícias de todas as primeiras comunidades. Os Atos e as Cartas relatam basicamente a missão do Apóstolo Paulo e das comunidades surgidas através da sua missão. Quase nada sabemos do trabalho de outros missionários, das comunidades espalhadas pelo norte da África, na Itália e pelas outras regiões e que estavam presentes no dia de Pentecostes (At 2,9-10). Pouco sabemos também das comunidades da Síria e da Arábia, cujo centro era Antioquia. A comunidade de Antioquia chegou a competir em autoridade e influência com a de Jerusalém. Foi desta comunidade que Paulo partiu para as suas viagens missionárias, e onde viveu muito tempo.


            c) Dos anos 70 a 100
            Alguns fatos políticos ajudam a entender esta terceira fase da história. A ascensão de Nero ao poder do império romano, com a perseguição aos cristãos, o martírio dos Apóstolos Pedro e Paulo. O massacre aos judeus, sobretudo no Egito (66 dC) e a revolução judaica na Palestina, iniciada no ano 68 dC e que levou à brutal destruição de Jerusalém no ano 70. As comunidades cristãs ainda eram pequenas e sem influência, e por isso se tornaram alvos fáceis da perseguição romana.
            Por outro lado, a destruição de Jerusalém e o fim do estado judaico e das suas instituições religiosas, provocou a separação definitiva entre cristãos e judeus. Tornaram-se duas religiões distintas, inimigas entre si, que se excomungavam mutuamente. E foi também o período do surgimento de muitas religiões e doutrinas gnósticas e mistéricas, que começavam a invadir o império romano. Elas penetraram também nas comunidades cristãs e provocaram novos conflitos e tensões.
            No final do século I os cristãos foram perseguidos pelo imperador Domiciano. O cristianismo foi declarado religião não-lícita pelo império. 




[1] Cf. J. Bortolini, Introdução a Paulo e suas Cartas, 43-44.
[2] CRB. Viver e Anunciar a Palavra (Coleção Tua Palavra é Vida nº 6), 15-27
[3] É importante não confundir os três Herodes que governaram na época dos escritos do NT: a) Herodes, chamado o Grande, governou sobre toda a Palestina de 37 a 4 aC. É aquele que aparece em Mt 2,1.16, no nascimento de Jesus e no massacre das crianças inocentes. Foi ele que iniciou a construção do Templo que existia na época de Jesus. b) Herodes, chamado Antipas, governou sobre a Galiléia de 4 aC até 39 dC. Ele aparece em Lc 23,7, por ocasião do julgamento de Jesus. Foi também o autor da morte de João Batista (Mc 6,14-29). c) Herodes, chamado Agripa, governou sobre toda a Palestina de 41 a 33 dC. Ele aparece nos Atos dos Apóstolos (At 12,1.20). Mandou matar o Apóstolo Tiago (At 12,2).

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