7. O Epistolário
Paulino
O conjunto das Cartas Paulinas
compreende um total de treze Cartas que reivindicam a paternidade do Apóstolo
Paulo. A ordem em que se encontram no cânon bíblico não reflete a data em que
foram escritas, mas foram organizadas segundo a sua extensão.
Alguns procuram agrupar as Cartas do
seguinte modo:
a) Cartas maiores: Romanos, 1-2
Coríntios, Gálatas e 1-2 Tessalonicenses.
b) Cartas da prisão: Efésios,
Filipenses, Colossenses e Filemon.
c) Cartas pastorais: 1-2 Timóteo e
Tito.
Outra classificação pode ser feita a
partir da possível autoria das mesmas:
Cartas Proto-Paulinas: que seguramente
são autênticas, isto é, que são de autoria do Apóstolo Paulo, e que são aceitas
por todos os estudiosos: Romanos, 1-2 Coríntios, Gálatas, Filipenses, 1
Tessalonicenses e Filemon.
Cartas Deutero-Paulinas: são aquelas
cuja autenticidade não é segura ou é negada por um certo número de estudiosos:
Efésios, Colossenses e 2 Tessalonicenses.
Trito-Paulinas: 1-2 Timóteo e Tito.
Essas dificilmente seriam do Apóstolo Paulo, pois usam uma linguagem diversa e
tratam de problemas que existiam nas comunidades no final do I século.
É certo que algumas Cartas de Paulo
foram perdidas. Em 1Cor 5,9 já se fala de uma Primeira Carta aos Coríntios. Em
Cl 4,16, Paulo se refere a uma Carta escrita aos cristãos de Laodicéia. E temos
ainda a famosa “Cartas em lágrimas” aos Coríntios (2Cor 2,4). Alguns estudiosos
afirmam que a Carta aos Filipenses é um conjunto de vários bilhetes. E também
que a 2Cor é um ajuntamento de várias cartas, enviadas em datas diferentes.
As Cartas não foram escritas do
próprio punho pelo Apóstolo. Ele as ditava (cf. Rm 16,22) e às vezes assinava
(cf. Gl 6,11). Talvez a carta a Filemon tenha sido o único escrito com sua
própria mão.
8. O estilo e linguajar das Cartas Paulinas
Em Tarso havia o comércio de
escravos, que Paulo deveria conhecer bem, pois usa essa imagem para falar da
morte e ressurreição de Jesus (1Cor 6,20; 7,21-25). E várias vezes ele usa a
imagem da “compra e resgate” para ilustrar a ação de Jesus em favor dos
cristãos.
Também havia uma ambiente cultural
muito grande: arte, arquitetura, esportes, etc., e que Paulo conhecia muito
bem, basta ver como usa seus conceitos para elaborar suas metáforas, como por
exemplo a questão da “parada militar”.
Em suas Cartas encontramos vários
hinos (1Cor 13; Fl 2,5-11; etc.) que podem ser provenientes das comunidades
onde Paulo evangelizava e que talvez não sejam de sua autoria, e que eram
usados nas celebrações. Porém, nada impede que entre os tantos dons do
Apóstolo, pudesse também ter o poético.
9. Possível cronologia
Não é fácil datar corretamente a
vida e atividade de Paulo. Segue um possível esquema[1]:
+ ano 5: Nascimento
em Tarso.
+ ano 11: Começa
a freqüentar a escola na Sinagoga.
+ ano 20: Muda-se
para Jerusalém para estudar e tornar-se fariseu na Escola de Gamaliel.
+ ano 35: Experiência
no caminho de Damasco: a “conversão”.
Até o ano 37: Está na Arábia, Damasco e faz uma rápida viagem
a Jerusalém (Gl 1,17-18).
Até os anos 44 ou 45: Passa alguns
anos em sua terra natal, Tarso.
No ano 45: Estadia em Antioquia da Síria.
Anos 46 a 48: Primeira viagem missionária.
Ano 49: Em Jerusalém para o “Primeiro Concílio” da Igreja (At
15,1-35).
Anos 49 a 52: Segunda viagem missionária.
Anos 53 a 58: Terceira viagem missionária.
Anos 59 a 62: Quarta viagem missionária.
Ano 68: Morre mártir em Roma.
10. As etapas da história
Para compreender as Cartas Paulinas
é importante situá-las no seu contexto histórico. A história das primeiras
comunidades do NT pode ser dividida em três grandes partes[2]:
Dos anos 30 a 40
|
Dos anos 40 a 70
|
Dos anos 70 a 100
|
O anúncio do
Evangelho entre os judeus
|
A expansão
Missionária no mundo grego
|
Organização e
consolidação das comunidades
|
a)
Dos anos 30 a
40
É um período curto de apenas dez
anos. O ponto de partida é a manifestação de Pentecostes (At 2,1-36) que gera o
anúncio da Boa nova por toda a Palestina (At 2,41.47; 4,4; 5,14; 6,7; 9;31).
Este período é também chamado “Movimento de Jesus”. Este período termina com a
crise provocada pela política do imperador Calígula (37-41) e pela perseguição
dos cristãos por parte do rei Herodes Agripa (41-44)[3].
Neste período a maioria dos cristãos
era formada por judeus convertidos. Fundavam comunidades ao redor das
sinagogas, à margem do judaísmo oficial. O seu crescimento obrigou-os a criar novas
formas de organização, como por exemplo, a escolha de novos animadores,
chamados diáconos (At 6,2-6).
O objeto da pregação era o anúncio
da chegada do reino (Mt 10,6) e a Morte e Ressurreição de Jesus (At 2,23–3,6;
3,14-15; 4,10-12). Os evangelhos ainda não tinham sido escritos. E por isso
eles liam o AT a partir do evento Jesus Cristo e repetiam os ditos e feitos de
Jesus a partir do testemunho dado por aqueles que tinham visto e ouvido Jesus
Cristo.
Já neste período aparecia a primeira
divergência entre os cristãos judeus. Havia um grupo mais ligado a Estevão, que
buscava uma abertura aos judeus da diáspora e ao helenismo (At 7,1-53). De
outro lado havia o grupo ao redor de Tiago, ligado aos judeus da Palestina, que
defendia uma fidelidade à Lei de Moisés e à “Tradição dos Antigos” (Mc 7,5; Gl
1,14). Na primeira perseguição só os cristãos ligados ao grupo de Estêvão foram
perseguidos (At 8,1). Porém, na segunda perseguição, aquela de Herodes Agripa
(At 12,1-3), todos os grupos cristãos eram alvo da repressão. Esta perseguição
aos cristãos, na Palestina, teve como conseqüência a missão para fora do
território judeu. Paulo e Barnabé, seguindo a linha de Estêvão, estavam entre
esses missionários que foram pelo mundo para formar novas comunidades.
b)
Dos anos 40 a
70
A perseguição, o desejo missionário
e a vontade de anunciar a boa nova a “toda a criatura” (Mc 16,15) levou os
cristãos para fora da Palestina. Nesses trinta anos o Evangelho se expandiu por
todo o império, chegando a todas as grandes cidades, inclusive a capital Roma,
o “fim do mundo” (At 1,8).
Se seguirmos a descrição das três
viagens de Paulo e seus companheiros, narradas nos Atos dos Apóstolos, vemos
que eles percorreram em torno a 16 mil quilômetros. Enfrentaram muitos
problemas (2Cor 11,25-26) e também dificuldades da própria missão de anunciar o
Evangelho.
Além disso, a mensagem de Jesus foi
marcada pelas mudanças de contextos. Vejamos as principais:
→ Do Oriente →
para o Ocidente
→ Da Palestina → para a Ásia Menor, Grécia e Itália
→ Da cultura judaica → para a cultura grega (helenismo)
→ Da realidade rural → para a realidade urbana
→ Das comunidades ao → para comunidades ao redor das casas (oikój)
nas periferias
redor das sinagogas das
grandes cidades da Ásia e da Europa.
Estas passagens foram marcadas
profundamente pela mudança de mentalidade e pela tensão entre os cristãos
vindos do judaísmo e os novos cristãos que vinham de outras culturas (At 15; Gl
2). Foi um doloroso processo de conversão com muitos conflitos ao interno do
próprio cristianismo. Imaginamos a dificuldade dos cristãos judeus, formados
dentro da visão judaica da Lei, e que deviam abrir-se para uma visão universal
de Deus. A passagem da visão de um povo eleito, privilegiado por Deus entre
todos os povos para a certeza de que em Cristo todos os povos faziam parte de
um único povo (multirracial e pluricultural) diante de Deus (Ef 2,17-18; 3,6).
As comunidades que surgiam, pequenas
e frágeis, levavam a sério a mensagem de Jesus. E foram os outros a reconhecer
isso. Em Antioquia, para distingui-los, deram a eles o nome de Cristãos (At 11,26). E começaram assim a
adquirir a sua própria identidade. Os Atos dos Apóstolos relatam a beleza e o
vigor dessas primeiras comunidades (At 2,42-47; 4,32-37).
Mas a dificuldade nossa hoje é que
não temos as notícias de todas as primeiras comunidades. Os Atos e as Cartas
relatam basicamente a missão do Apóstolo Paulo e das comunidades surgidas
através da sua missão. Quase nada sabemos do trabalho de outros missionários,
das comunidades espalhadas pelo norte da África, na Itália e pelas outras
regiões e que estavam presentes no dia de Pentecostes (At 2,9-10). Pouco
sabemos também das comunidades da Síria e da Arábia, cujo centro era Antioquia.
A comunidade de Antioquia chegou a competir em autoridade e influência com a de
Jerusalém. Foi desta comunidade que Paulo partiu para as suas viagens
missionárias, e onde viveu muito tempo.
c)
Dos anos 70 a
100
Alguns fatos políticos ajudam a
entender esta terceira fase da história. A ascensão de Nero ao poder do império
romano, com a perseguição aos cristãos, o martírio dos Apóstolos Pedro e Paulo.
O massacre aos judeus, sobretudo no Egito (66 dC) e a revolução judaica na
Palestina, iniciada no ano 68 dC e que levou à brutal destruição de Jerusalém
no ano 70. As comunidades cristãs ainda eram pequenas e sem influência, e por
isso se tornaram alvos fáceis da perseguição romana.
Por outro lado, a destruição de
Jerusalém e o fim do estado judaico e das suas instituições religiosas,
provocou a separação definitiva entre cristãos e judeus. Tornaram-se duas
religiões distintas, inimigas entre si, que se excomungavam mutuamente. E foi
também o período do surgimento de muitas religiões e doutrinas gnósticas e
mistéricas, que começavam a invadir o império romano. Elas penetraram também
nas comunidades cristãs e provocaram novos conflitos e tensões.
No final do século I os cristãos
foram perseguidos pelo imperador Domiciano. O cristianismo foi declarado
religião não-lícita pelo império.
[1] Cf. J. Bortolini, Introdução a Paulo e suas Cartas, 43-44.
[2] CRB. Viver e Anunciar a Palavra (Coleção Tua
Palavra é Vida nº 6), 15-27
[3] É
importante não confundir os três Herodes que governaram na época dos escritos
do NT: a) Herodes, chamado o Grande, governou sobre toda a Palestina de 37 a 4 aC. É aquele que aparece em
Mt 2,1.16, no nascimento de Jesus e no massacre das crianças inocentes. Foi ele
que iniciou a construção do Templo que existia na época de Jesus. b) Herodes,
chamado Antipas, governou sobre a Galiléia de 4 aC até 39 dC. Ele aparece em
Lc 23,7, por ocasião do julgamento de Jesus. Foi também o autor da morte de
João Batista (Mc 6,14-29). c) Herodes, chamado Agripa, governou sobre toda a
Palestina de 41 a
33 dC. Ele aparece nos Atos dos Apóstolos (At 12,1.20). Mandou matar o Apóstolo
Tiago (At 12,2).
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