quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Cartas Paulinas - Tessalonicenses I e II



1 e 2 TESSALONICENSES

            1. A cidade de Tessalônica
Tessalônica foi fundada em 315 aC por Cassandro, general de Alexandre Magno, no lugar de uma antiga vila chamada Thermas. Para habitar a nova cidade, Cassandro transferiu a população de muitas pequenas vilas do Golfo Termaico.
A nova cidade recebeu o nome em homenagem à sua mulher, Thessalonike, irmã de Alexandre Magno, portanto, filha de Felipe II da Macedônia. Thessalonike tinha nascido no dia da vitória de seu pai sobre os tessálios em 353 aC. Tessalônica, de fato, significa “vitória dos tessálios”.
A cidade de Tessalônica ocupava um lugar privilegiado e estratégico no mar Egeu. Estava situada no fértil vale do rio Vadar, protegida ao norte pelas montanhas Khortiatis e aberta ao sul para o golfo Termaico. Seu porto era um dos mais movimentados do mar Egeu. Distava 150 km de Filipos pela via Egnatia que colocava em contato com a região do Épiro de um lado e com o Bósforo de outro.
Na época de Paulo era, no dizer de Strabão, “a metrópole da Macedônia - a mais populosa cidade”. O escritor romano Cícero, que se exilou ali de maio a novembro de 58, escreveu: “Tessalônica está situada no meio do nosso império” (as Atticum 3,19). O poeta Antípatro (50 aC - 25 dC) nela nascido, a celebra como “Mãe de toda a Macedônia”.
Em 168 aC, os romanos conquistaram a Macedônia e a transformaram em Província Romana. Em 146 aC, Tessalônica tornou-se a capital da Província Imperial da Macedônia. Nela, morava, o procônsul romano, representante do imperador. Após a batalha de Filipos em 42 aC, obteve de Augusto o título de “cidade livre”. Era administrada por uma assembléia popular eleita anualmente pela população e por magistrados chamados “politarcos”. Como era costume na época, somente os cidadãos nascidos em Tessalônica tomavam parte na vida democrática da cidade. Os pobres, escravos, libertos e estrangeiros domiciliados (metecos) estavam excluídos da organização da cidade.           
No tempo de Paulo, Tessalônica era uma cidade de segunda grandeza no império, pouco menor que Alexandria do Egito, Antioquia da Síria, Corinto, Éfeso, Cartago e Lião nas Gálias.       
Sua população era formada por grande número de romanos e gregos, e caracterizada por fortes contrastes políticos-sociais. De um lado os comerciantes e armadores vindos de todas as partes do império, com todos os direitos e de outro a grande massa de pobres. Os escravos eram quase a metade da população. Havia também uma numerosa e influente colônia judia, com sua própria organização, com sinagoga, tribunal e conselho de anciãos e o privilégio de “religião lícita”.  No campo religioso, havia em Tessalônica, como nas outra grandes cidades do Império Romano, um grande sincretismo religioso.
A deusa principal da cidade era Nike – a deusa da vitória. Havia ainda templos dedicados a Zeus ou Júpiter – pai de todos os deuses; Netuno ou Posseidon – deus do mar; Ísis e Osíres – deuses do Egito e outros. Um dos principais cultos era o de Dionísio – Baco, um dos cultos de mistério com fortes ligações com a vida pós-morte. De fato, uma das tribos deslocadas por Cassandro na fundação de Tessalônica, chamava-se Tribos Dionisias. As moedas da cidade traziam a esfinge desse deus.       
O culto do imperador também ocupava um lugar importante. Tessalônica se orgulhava com o título de Neókoros, concedido somente às cidades que tinham permissão de construir templos ao imperador. O culto ao imperador era um modo de conservar o privilégio de cidade livre. Os judeus sabiam disso e acusaram Paulo e seus companheiros de propor um outro rei – Jesus (At 17,7).
Durante a conquista turca, a cidade passou a ser chamada Salônica, mas a partir de 1937 retomou seu antigo nome de Tessalônica.



                        2. A Evangelização   
            A permanência de Paulo na cidade não foi muito longa. At 17,2 fala de apenas três semanas. Mas as cartas deixam supor alguns meses, de tal modo que Paulo teve tempo de aplicar-se a um trabalho manual e material para assegurar sua sobrevivência (lTs 2,9) e, ao mesmo tempo, constituir uma comunidade bastante numerosa e formada sobretudo de pagãos convertidos (lTs 2,10) e com uma certa "organização" (1Ts 5,12-13). Quanto à classe social dos cristãos, At 17,4 fala  de “damas da sociedade” e 1Ts 4,11 fala em “ganhar o sustento com as próprias mãos”. Baseados nesses textos, os exegetas falam de uma mínima percentagem de membros da classe média e alta e a grande parte  de trabalhadores manuais, isto e, escravos, artesãos e pessoal do porto.
            Como era seu costume, Paulo dirigiu-se, em primeiro lugar, aos judeus e por três sábados ensinou na sinagoga (At 17,2). Sua pregação teve certo sucesso (At 17,4). Mas uma insurreição de judeus invejosos (At 17,5-10) obrigou Paulo e seus companheiros a abandonar a cidade, indo para Beréia (At 17–10 ) e depois para Atenas (At 17,15ss).
            De Atenas, Paulo enviou Timóteo a Tessalônica (lTs 3,1) para sustentar a jovem Igreja. Parece que era desejo seu ir pessoalmente à Tessalônica, outra vez. Mas algo que desconhecemos atrapalhou seus planos.
            Durante sua permanência em Tessalônica, os judeus, provavelmente incitaram os pagãos contra Paulo e contra os neo-converti­dos. Sua partida da cidade não foi suficiente para serenar os ânimos. Os cristãos eram ainda objeto de calúnias por parte dos judeus (lTs 3,6-10). Assim na impossibilidade de ir pessoalmente, Paulo enviou Timóteo. Nesse ínterim, Paulo partiu de Atenas, onde sua mensagem não foi bem recebida, para Corinto, onde Timóteo o encontrara no seu regresso de Tessalônica.



                        3. As Cartas
            Segundo At 18,5 e lTs 3,6 as duas cartas foram escritas durante a permanência de Paulo em Corinto, pelo ano 50/51, durante a sua segunda viagem missionária.

a) A primeira carta é fruto da descrição, feita por Timóteo, da situação da jovem Igreja.
Esta Carta não é somente a primeira em ordem de tempo, mas também o primeiro escrito do Novo Testamento. No que se refere ao essencial da vida cristã, as notícias eram boas. Os cristãos de Tessalônica permaneciam firmes na fé, esperança e caridade. Sua fé tinha sido aprofundada por causa das dificuldades e das provas encontradas (cf. lTs 1,3; 3,6-8). No entanto, a comunidade não tinha entendido bem a doutrina sobre a Parusia, e se preocupava pela sorte de seus membros mortos antes da vinda de Cristo (4,13). Isso gerava desvios morais, angústias, tristezas e até ociosidade.
Assim a carta de Paulo tem duplo objetivo:
- um encorajamento da fé dos cristãos e uma ação de graças por sua operosidade (1–3);
- corrigir os desvios que surgiram na comunidade, sobretudo no que se refere à sorte dos               mortos na ressurreição e sobre a segunda vinda de Cristo (4,13–5,10).
b) Os estudiosos que defendem que a segunda carta também é de autoria do Apóstolo Paulo, afirmam que ela foi escrita, provavelmente, alguns meses depois da primeira Carta e praticamente tem o mesmo objetivo. Talvez as palavras de Paulo “nós os que estivermos vivos...” em lTs 4,15 tenham motivado ainda mais a preocupação de uma parusia iminente. O Apóstolo procura desfazer tais idéias descrevendo os sinais que precederão a vinda de Cristo (2,1-12) e exortando todos a se dedicarem ao trabalho (3,10-12).


                       

                        4. Estrutura das Cartas
a) 1 Tessalonicenses – É dividida em duas partes:
1,1
Endereço
1,2 – 3,13
1ª parte: Agradecimentos e recordações
1,2-3       → agradecimento pela fé, caridade e esperança dos
                    Tessalonicenses;
1,4-10       ampliação do agradecimento: a resposta dos
                    Tessalonicenses â pregação de Paulo;
2,1-12       Paulo retoma o agradecimento: a pregação de Paulo
                    em Tessalônica;
2,13-16     confirmação do agradecimento: a resposta dos
                    Tessalonicenses ao anúncio evangélico;
2,17–3,5 →  o tempo do afastamento: não podendo ficar em
                    Tessalônica, Paulo enviou Timóteo;
 3,6-13      retomada do agradecimento: Timóteo retornou
                    trazendo boas notícias.
É uma grande ação de graças pela realidade da Igreja de Tessalônica. É quase uma crônica emocionante, mas cheia de gratidão a Deus. Paulo lembra a sua expulsão de Filipos, o encontro com os tessalonicenses, a acolhida do anuncio do Evangelho, o período transcorrido na cidade, as dificuldades suas e dos cristãos, a viagem de Timóteo e as boas notícias recebidas. E termina com uma oração para que Senhor faça crescer sempre mais os tessalonicenses no amor e na conduta irreprovável.
4,1 – 5,22
2ª parte: Exortações e vários ensinamentos:
4,1-2  Introdução
4,3-8     → a busca da santidade no amor;
4,9-12   → o amor fraterno;
4,13-18 → o destino daqueles que morreram;
5,1-11   → os tempos e o momento do fim;
5,12-13 → os responsáveis da comunidade;
5,14-22 → exortações conclusivas.
5,23-28
Conclusão

Na primeira parte se nota a presença do binômio “nós-vós”. O “nós” dos missionários e o “vós” dos tessalonicenses. Isso mostra a indiscutível comunhão que unia Paulo e seus companheiros à comunidade de Tessalônica. O nexo dessa união é a aceitação do anúncio de Jesus morto e ressuscitado. A participação nesse fato cria a união entre os evangelizadores e os evangelizados. Essa união se dá pela palavra acolhida e anunciada, a mesma fé e esperança. Nasce assim uma nova união. Basta notar o freqüente uso do termo “irmãos” na carta (14 vezes).
Na segunda parte, prevalece os motivos de exortação, encorajamento, instrução (4,10ss; 5,12). Aqui Paulo se mostra como guia da comunidade. Fala com decisão, segurança e autoridade. Usa verbos no imperativo. Mas não se trata de uma exposição fria de princípios morais. Paulo fala ao coração e procura convencer. Percebe-se a consciência que Paulo tem de sua própria vocação apostólica.
b) 2 Tessalonicenses:
1,1-2
Endereço
1,3-12
Agradecimento e intercessão
1,3-5     → Fé e amor mútuo dos tessalonicenses;
1,6-7     → Punição dos perseguidores;
1,11-12 → Oração pela comunidade de Tessalônica
2,1-12
A vinda do Senhor (Parusia)
2,1-2     → O dia do Senhor não é eminente;
2,3-5     → O fim será precedido da manifestação do homem ímpio;
2,6-7     → Esta será porém impedida de um misterioso obstáculo;
2,8-12   → Destruição do homem ímpio com todos os seus adeptos.
2,13 3,15  
Exortação
2,13-17 → Novo agradecimento a Deus e exortação a manter as
                 tradições;
3,1-5    → Solicitação de orações;
3,6-15  → Repreensão àqueles que se comportam de modo
                 indisciplinado.
3,16-18
Saudação final


            5. Mensagem:
            Alguns pontos importantes que podemos concluir das duas cartas:
            a) Temos aqui exemplo do que era o kerigma missionário, onde já se pode perceber um sentido trinitário do anúncio. Insiste-se na adesão ao único e verdadeiro Deus.
            b) Pelas Cartas se pode perceber também as dificuldades encontradas, os primeiros problemas que surgiram nas comunidades e o modo como o Apóstolo tentou resolvê-los.
            c) O Evangelho é verdadeiramente “Palavra de Deus” (2,13). A 1Ts é o primeiro escrito do NT. Esta Carta não é endereçada a pessoas, mas a uma Igreja (1,1). É o novo Israel que Deus amou e escolheu (1,4; 2Ts 1,11).
            d) É interessante a preocupação com a Parusia e a Escatologia e as soluções propostos por Paulo.
            e) Na comunidade percebe-se já a existência de alguns ministérios, a quem Paulo recomenda o respeito (1Ts 5,12). Porém, todos são instrumentos na mão de Deus (1Ts 4,9) e devem se ajudar mutuamente (1Ts 5,14).
            f) A oração é importante para o bem da comunidade, que tem também os dons do Espírito (carismas). Os cristãos devem ter o discernimento, porém não devem apagar o Espírito e não devem desprezar as Profecias (1Ts 5,19-21).
            g) Os cristãos devem esperar com paciência à vinda de Cristo, portanto, devem trabalhar e inserir-se na vida social, ganhando o pão de cada dia com o trabalho (cf. 2Ts 3,5-15). A história humana prossegue o seu curso, sem que possamos estabelecer a data do seu fim.
            i) Os temas trabalhados nestas duas Cartas permanecem atuais. O anúncio da palavra é sempre novo. “Por esta razão é que sem cessar agradecemos a Deus por terdes acolhido sua Palavra, que vos pregamos não como palavra humana, mas como na verdade é, a Palavra de Deus que produz frutos em vós, os fiéis” (1Ts 2,13). De outra parte, muitos são os que hoje anunciam a Palavra com fins enganosos, anunciam ainda o “fim do mundo” (por ignorância ou com objetivos econômicos), enganando multidões. Palavra de Deus é palavra que produz a vida e não o medo!

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