terça-feira, 5 de agosto de 2014

Introdução às Sagradas Escrituras



1. A revelação de Deus

“A Igreja é Israel que abre os seus braços ao mundo para acolher a todos os homens de todas as raças e fazê-los partícipes do dom da Salvação que Deus outorga por meio de Jesus Cristo”[1]

O conteúdo da Sagrada Escritura, em seu conjunto, é a história da salvação. Deus, Todo poderoso, que não está submetido ao devenir da história humana, quis por sua livre decisão e movido por sua infinita bondade , entrar na história dos homens , orientando-a por caminhos misteriosos porém reais para trazer a salvação ao Gênero humano.

A história de que é portadora a Sagrada Escritura, em realidade, é o compêndio das intervenções de Deus na história  orientada a levar a cumprimento o desejo divino de que “todos os homens se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade”(1 Tm 2,4).

A Carta aos Hebreus nos oferece uma ideia bastante clara sobre a historicidade dessas intervenções divinas  que compõem a história da salvação e que a torna tão misteriosa quanto real:

“Muitas vezes e de diversos modos outrora falou Deus aos nossos pais pelos profetas. Ultimamente nos falou por Seu Filho, que constituiu herdeiro universal, pelo qual criou todas as coisas(Hb 1,1-2).”

Tomemos as três afirmações do texto:

a)    Deus fala na história “Muitas vezes e de diversos modos”;

Implica que Deus se revelou ao longo da história humana em diversas ocasiões e de modo gradual, certamente respeitando a capacidade humana e esperando que esta esteja preparada para recebê-la. “Deus não quis revelar-se a Si mesmo e nem revelar seus desígnios eternos em uma só vez, em um só instante, mas seguiu um plano pedagógico, manifestando novas verdades quando os homens estavam preparados para aceitá-las[2]”.

Deus se manifestou com palavras e ações. Com ações e fatos seguidos de palavras pronunciadas pelo profetas e de outros escritores sagrados,  que explicitavam o sentido dos acontecimentos, ao mesmo tempo em que punham em evidência a intervenção divina; com palavras seguidas de ações, que  ilustravam o significado da Palavra. A constituição do Concílio Vaticano II Dei Verbum explica essa relação da seguinte forma:

“Aprouve a Deus. na sua bondade e sabedoria, revelar-se a Si mesmo e dar a conhecer o mistério da sua vontade (cfr. Ef. 1,9), segundo o qual os homens, por meio de Cristo, Verbo encarnado, têm acesso ao Pai no Espírito Santo e se tornam participantes da natureza divina (cfr. Ef. 2,18; 2 Ped. 1,4).” Em virtude desta revelação, Deus invisível (cfr. Col. 1,15; 1 Tim. 1,17), na riqueza do seu amor, fala aos homens como amigos (cfr. Ex. 33, 11; Jo. 15,1415) e convive com eles (cfr. Bar. 3,38) para os convidar e admitir à comunhão com Ele. Esta “economia” da revelação realiza-se por meio de ações e palavras intimamente relacionadas entre si, de tal maneira que, as obras realizadas por Deus na história da salvação, manifestam e confirmam a doutrina e as realidades significadas pelas palavras. E, as palavras por sua vez, declaram as obras e esclarecem o mistério nelas contido. Porém, a verdade profunda, tanto a respeito de Deus, como a respeito da salvação dos homens, nos é manifestada por esta revelação em Cristo , que é, simultaneamente, o mediador e a plenitude de toda a revelação[3].

Deus se revela de forma progressiva e Didática. Essa lei da progressividade é evidente, por exemplo, nos preceitos morais do Antigo Testamento, que se ajustavam aos costumes e aos tempos , e se destaca de modo especial   no que se refere à essência mesma de Deus. Somente no Novo Testamento, de fato, se manifesta que o Deus único é Trino em Pessoas, que ao lado de Deus Pai existe o Filho e o Espírito Santo.

Entre o Antigo e Novo Testamento há uma certa continuidade que se pode expressar com os seguintes modelos: preparação (V.T) e cumprimento (N.T); figura (V.T) e realidade (N.T); imperfeito (V.T) e perfeito (N.T); profecia (V.T) e realização (N.T).

Esta revelação progressiva é uma manifestação da pedagogia divina que se foi revelando aos homens , pouco a pouco, de acordo com o que em cada momento eram capazes de entender. Por isso, o Concílio Vaticano II disse que “o fim principal da economia antiga era preparar a vinda de Cristo, redentor universal e de seu reino messiânico (...). Os livros do Antigo Testamento, segundo a condição dos homens antes da salvação estabelecida por Cristo, mostram a todos o conhecimento de Deus e do homem  e  o modo como Deus, justo e misericordioso, trata os homens. Estes livros, ainda que contenham elementos imperfeitos e passageiros, nos ensinam a pedagogia divina. Por isso, os cristãos devem recebê-los com devoção, pois expressam um vivo sentido de Deus, contêm ensinamentos sublimes sobre Deus e uma sabedoria salvadora acerca do homem, guardam tesouros de oração e escondem o mistério de nossa salvação”[4]


[1] Varo Francisco, Deus entra na História. A revelação, in Historia de los hombres y acciones de Dios, RIALP, Madri, 2000.
[2] Idem, p.19.
[3] Constituição dogmática Dei Verbum, n.2
[4] Constituição dogmática Dei Verbum, n.15

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