O Antigo
Testamento há de ser considerado à luz do Novo Testamento, e vice-versa, pois
constituem um só discurso de Deus aos homens. Acrescentamos que a Escritura
Sagrada como tal há de ser relida à luz da Palavra Viva que a antecede e a acompanha.
Com efeito, a Revelação de Deus aos homens foi feita primeiramente por via oral
e só posteriormente foi escrita. Por isto a leitura católica da Bíblia sempre
leva em consideração o entendimento que aos antigos intérpretes davam ao texto
sagrado.
Ora
o paralelismo entre Eva e Maria ocorre já no século II, sob a pena de S.
Justino (+ 165).
“Entendemos
que se fez homem por meio da Virgem, de sorte a extinguir a desobediência,
oriunda da Serpente, por ali mesmo onde haveria começado. Eva era Virgem e
incorrupta (Eva era virgem ao pecar, porque só depois do pecado teve relações
com Adão, conforme Gn 4,1); concebendo a palavra da serpente, gerou a
descendência da morte. A Virgem Maria, porém, concebeu na fé e alegria quando o
anjo Gabriel lhe anunciou a boa nova de que o Espírito do Senhor viria sobre
ela; a Força do Altíssimo a cobriria com sua sombra, de modo que o Santo que
dela nasceria, seria o Filho de Deus... Da Virgem nasceu, pois, Jesus, de quem
falam tanto as Escrituras... aquele por quem Deus destrói a serpente”.
Note-se
o paralelismo: Eva é portadora da desobediência e da morte; Maria, ao
contrário, traz a fé e a alegria. Importante no texto é a observação: Deus quis
resolver o impasse oriundo do pecado mediante os elementos mesmos que introduziram
o pecado: o anjo (mau) falou à mulher infiel a Deus, o anjo Gabriel falou à
mulher fiel a Deus; no primeiro caso, a mulher colabora para a morte; no
segundo caso, a mulher (a nova Eva, a verdadeira Mãe da Vida) colabora para a
vida.
S.
Irineu (+202) desenvolve o paralelismo: Parte da concepção de que o plano
de Salvação não é simplesmente um conserto ou um reparo feito no projeto
violado por Adão no paraíso; mas é um recomeçar desde as origens; nesse
recomeçar cada qual dos elementos envolvidos na queda é chamado a desenvolver
um papel de “recapitulação” para apagar o pecado, Deus quis voltar às origens
do pecado e recomeçar a história com elementos correspondentes aos da queda:
assim Jesus Cristo é o novo ou segundo Adão (Rm 5,14; 1Cor 15,45-49); a cruz de
Cristo é a nova árvore do paraíso, e Maria é a nova Eva. Da mesma forma que Eva
se seduziu para desobedecer a Deus, Maria se deixou persuadir a obedecer a Deus
para ser ela – a Virgem Maria – a advogada de Eva, de sorte que o gênero humano,
submetido à morte por uma Virgem, fosse dela libertado por uma Virgem,
tornando-se contrabalançada a desobediência de uma Virgem pela obediência de
outra.
S.
Epifânio de Salamina (Chipre), (+403), se faz, de novo, arauto do
paralelismo:
“Eva trouxe ao gênero humano uma
causa de morte: por ela a morte entrou no mundo; Maria trouxe uma causa de
vida; por ela a vida se estendeu a nós. Foi por isso que o Filho de Deus veio a
este mundo: para que, onde abundou o pecado, superabundasse a graça. Onde a
morte havia chegado, aí chegou a vida, para tomar seu lugar; e aquele mesmo que
nasceu da mulher para ser nova vida, haveria de expulsar a morte, introduzida
pela mulher. Quando ainda virgem no paraíso, Eva desagradou a Deus por sua
desobediência. Por isto mesmo emanou da Virgem a obediência própria da graça,
depois que se anunciou o advento do Verbo revestido de corpo, o advento da
eterna Vida do céu”.
Conclusão
O título de
Nova Eva é o primeiro título com o qual Maria Santíssima é venerada pela
Tradição Cristã. É o título de maternidade – Mãe da Vida – em relação a Jesus,
o Messias. Esta prerrogativa foi a primeira a ser definida por um Concílio
Geral, ou seja, pelo Concílio de Éfeso em 431: Maria é Theotókhos, Mãe de Deus,
na medida em que Deus se quis fazer homem. Deste título decorrem as demais
prerrogativas de Maria Santíssima.
Vê-se que a
consideração de Maria, desde as suas origens, tem caráter cristológica. Longe
de ser independente de Cristo, é suscitada pela definição da identidade de
Jesus Cristo. Assim a autêntica piedade Mariana está relacionada com a fé em
Jesus Cristo.
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