Morte e ressurreição, eis aí o centro da fé cristã. Nós cristãos
afirmamos que Jesus de Nazaré morreu. Mas também afirmamos que ele ressuscitou.
A passagem de Jesus de Nazaré da morte para a vida é o mistério central de
nossa fé. E o mistério pascal, ponto de partida da fé explícita em Jesus Cristo e da
reflexão cristológica, a começar com as cristologias do Novo Testamento. Embora
se fale de cristologia no singular há, com efeito, diversas cristologias,
porque cada uma delas faz uma abordagem do mesmo Jesus de Nazaré a partir de
óticas e preocupações diferentes. Essa diversidade de cristologias, que já se
faz presente no Novo Testamento, se revela uma riqueza para a fé cristã.
Se Cristo não tivesse ressuscitado seria vã a nossa fé ( l Cor 15,17), ou
melhor, nem sequer haveria fé cristã,
não haveria reflexão cristológica. Cristo ressuscitou! Este é o anúncio básico
de todo o cristianismo (At 2,32; 3,15). Como podemos constatar pela leitura dos
textos do Novo Testamento, principalmente no final dos quatro evangelhos e nos
Atos dos Apóstolos, esta notícia causou espanto e alegria nos primeiros
seguidores de Jesus, bem como preocupação e reação nos poderosos da religião e
da política da época. Com esta notícia, estranha e escandalosa, os discípulos e
discípulas do Senhor correram o mundo, angariando adeptos, formando
comunidades, suscitando esperanças e expectativas no meio de pessoas e povos
oprimidos, instaurando novos projetos de vida, transformando sociedades.
Cristo
ressuscitou! Se tudo tivesse terminado na cruz, o crucificado teria sido mais
um entre tantos crucificados do seu tempo, não teria havido nenhuma mudança na
história,
seríamos ainda pessoas sem fé e, portanto, sem esperança. Cruz sem ressurreição
é sinal de morte, de fim, de desespero, de caminho fechado, O cristianismo não
é uma religião da morte, da dor, do absurdo desta vida, da renúncia aos valores
deste mundo. O cristianismo anuncia, isso sim, a transformação desta vida e
deste mundo.
Professamos em nosso
Credo cristão: Jesus de Nazaré padeceu sob Pôncio Pilatos,
foi crucificado, morto e sepultado. Mas ressuscitou! A vida venceu a morte; a
morte foi tragada pelo poder da vida (1 Cor 15,54). O crucificado está vivo!
Mas, quem ressuscitou não foi um qualquer. Foi uma vítima do poder religioso e
do poder político. Foi um mártir das causas sociais, alguém que havia se
colocado do lado dos pobres, das mulheres, dos doentes, das multidões. Alguém
que se havia colocado contra os donos da religião e do poder, contra as
autoridades opressoras e dominadoras do povo. Ele era um homem credenciado por
Deus, havia feito sinais e prodígios em nome de Deus (At 2,22). Ele havia
anunciado um Reino diferente, o Reino de um Deus diferente. Falava de Deus como
de um Pai amoroso, próximo dos pecadores arrependidos, um Pai que queria vida
em abundância para todos.
Quem
ressuscitou não foi uma idéia, um mito, um ideal, uma causa. Foi uma pessoa que
ressuscitou. Uma pessoa que havia sido morta, rejeitada, excluída. Aquele que
foi morto pela mão dos homens, Deus o ressuscitou! (At 2,23-24). Ressurreição
sem morte é teatro, representação apoteótica. O cristianismo não é uma religião
que põe panos quentes sobre os conflitos do mundo, não é uma religião do
espetáculo, um show. A fé cristã se fundamenta em uma morte, no fim trágico de
alguém que lutou pela vida. O ressuscitado é o crucificado!
O mistério da Páscoa — passagem da morte para
a vida — é centro de nossa fé. O que aconteceu com Jesus deve acontecer também
conosco. A vida cristã é passagem: do egoísmo para a solidariedade, da
indiferença para a participação, do ódio para o perdão, da divisão para a
comunhão.
A
Páscoa de Jesus foi, por isso, ponto de partida para a Páscoa de seus
discípulos e discípulas. Antes da Páscoa, eles tinham em Jesus uma fé
embrionária, bem pouco amadurecida. Eles o seguiam, apreciavam suas palavras,
punham-se do lado dele nas discussões contra os fariseus e sacerdotes,
reconheciam-no como alguém diferente. Percebiam nele alguém que valia a pena seguir,
alguém que tinha palavras de vida eterna (Jo 6,68), que saciava a sede de vida
eterna (Jo 4,14), que matava não somente a fome de pão material (Jo 6,1-13),
mas também do pão espiritual (Jo 6,51). As multidões viam nele um representante
de Deus, um profeta, um Messias (Lc 7,16; Jo 6,14); queriam fazê-lo rei (Jo
6,15); corriam ele pedindo socorro nas necessidades (Mc 5,6. 22-23.27-28; 7,25-26); traziam-lhe os doentes e
endemoninhados para serem curados (Mc 1,31), e as crianças para serem
abençoadas (Mt 19,13).
Acreditavam
em Jesus. Mas
não havia ainda uma fé explícita, clara, firme. Tanto é que quando Jesus foi
preso, quase todos o abandonaram, Pedro o negou, os discípulos de Emaús
voltaram para seus afazeres normais. Uma fé explícita só se desenvolveu após a
experiência pascal, com a vinda do Espírito Santo, com a percepção de que Jesus
continuava vivo no meio deles. A partir de então, eles vão compreendendo o
sentido das atitudes, das opções, do comportamento, da mensagem e da morte de
Jesus de Nazaré. Começam, então, a anunciar e, depois, a pôr por escrito sua
mensagem de salvação. Fazem também a sua Páscoa: de uma é implícita para uma fé
explícita, do escondimento e do medo para a coragem pública e o anúncio do
Cristo crucificado-ressuscitado.
Na
experiência da Páscoa, encontra-se o fundamento do que será uma fé explícita e
amadurecida em Jesus
Cristo. Na Páscoa, inicia todo o trabalho de interpretação da
vida, da paixão, da morte e da ressurreição de Jesus. Na Páscoa, tem início a
cristologia. A existência terrena de
Jesus de Nazaré, vivida na obscuridade e na fraqueza, passa a ter um sentido
profundamente libertador, quando os cristãos a iluminam com a luz da
experiência pascal. Em
Jesus Cristo, morto e ressuscitado, os primeiros cristãos percebem
e confessam dois modos de existir, que caracterizam duas etapas distintas da
vida do Mestre: a etapa de fraqueza, o modo humano e carnal de existir, a vida
terrena, o Jesus de Nazaré pré - pascal; e a etapa da plenitude, o modo
celestial e espiritual de existência, o Cristo da fé, o Jesus pós - pascal (Rm
1,3-4; lTm 3,16; l Pd 3,18; At 5,31).
Estas
duas etapas ou modos distintos de existência de Jesus explicam as duas
orientações básicas da cristologia das comunidades cristãs do século I. Alguns
como João e Paulo, insistem no Verbo pré-existente, no mediador de toda a
criação (Jo 1,1-14; Fl 2,6-11; Cl 1,15-20) ou no Cristo ressuscitado e
glorificado (Rm 6,4-11; 1 Cor 15,20). Trata-se de uma cristologia descendente,
que desce do mistério para a história, da divindade para a humanidade. Outros, como os evangelistas sinóticos, olham
preferencialmente para o Jesus terrestre e, a partir daí, desenvolvem sua
reflexão sobre o Cristo, Filho de Deus. Uma cristologia ascendente, que sobe da
história para o mistério, da humanidade para a divindade.
Todavia,
todos partem da fé na ressurreição daquele Jesus que foi morto na cruz. O
mistério pascal, a passagem da morte para a ressurreição, une inseparavelmente
as duas orientações cristológicas. Na fé do Novo Testamento não existe ruptura
entre o Jesus terrestre e o Cristo glorificado. Nas duas orientações básicas do
Novo Testamento, está sempre presente o mesmo sujeito, embora apresentado em
duas distintas etapas de sua existência.
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