Acredito que o grande vexame do Cristianismo no nosso tempo é sua divisão, vemos uma profunda incapacidade de diálogo, falta profundidade em muitos seguimentos que se apresentam como cristãos. Religião serve para
religar as pessoas a Deus e entre si. Quando uma religião separa as
pessoas, não serve a Cristo. Mas onde estará a Igreja? Onde estará a
religião de Jesus? Voltemos então para a afirmação de Cristo dita a
Pedro: “Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei minha Igreja”(cf Mt
16,13-19). Ora, se Cristo
falou de “Minha Igreja” é justo perguntar: onde encontrar a Igreja de
Cristo? Sobretudo em tempos tenebrosos no qual a memória do galileu vem sendo pervertida e transformada em cifras em muitas pregações e movimentos e seu caráter questionador passa a ser instrumento do status quo. Voltemos ao texto de Mateus que a liturgia apresenta hoje.
Antes o contexto: Jesus havia perguntado
aos discípulos: “quem dizem os homens ser o Filho do Homem?” Diante da
variedade das respostas acerca desta entidade do imaginário hebreu, ele insistiu: “e vós quem dizeis que eu sou?”
Simão Pedro tomou a palavra e disse: “Tu és o Cristo (messias), o Filho
de Deus vivo”. Jesus voltou-se para ele e disse: “Bem-aventurado és tu,
Simão, filho de Jonas, porque não foi carne ou sangue que te revelaram
isto, e sim o meu Pai que está nos céus. Também eu te digo que tu és
Pedro, e sobre esta pedra edificarei minha Igreja, e as portas do
inferno nunca prevalecerão contra ela. Eu te darei as chaves do Reino
dos Céus e o que ligares na terra será ligado no céu, e o que desligares
na terra será desligado nos céus”. Por hoje tentemos compreender o que
significa Pedro (Pétros, em grego) e pedra (Pétra em grego).
O evangelho de João afirma que logo que Simão,
este era seu nome de família Simeão, bar-Jona, que quer dizer, filho de
Jonas, é apresentado a Jesus, conta que “ fitando-o, disse-lhe Jesus:
“Tu és Simão, filho de Jonas; chamar-te-ás Kefa (que quer dizer pedra)” (
Jo 1,42). Ou seja, quer no masculino (pétrus), quer no feminino (pétra),
o grego está a traduzir a palavra aramaica Kefa (Kyf = pedra nobre).
Explico ao leitor(a) que até então a palavra “petros” nunca fora usada na
cultura grega como nome ou sobrenome de pessoa. O evangelista João faz
questão de frisar que Jesus dá a Simão um novo nome “fitando-o”. Este
“fitando-o” traduz um verbo grego (blépô) que significa ver
profundamente, até o cerne. É como se Jesus mudasse o cerne de Simão.
Assim como a palavra “Cristo” se tornou o vocábulo que identifica Jesus
na missão a ele confiada pelo Pai, assim Kefas, Pétrus , Pedro, se
tornou o indicativo da identidade mais profunda de Simão, o filho de
Jonas.
Ao fitá-lo, Jesus leu nas profundezas de
Simão o desígnio do Pai a respeito de seu lugar na nova comunidade, na
Igreja que Jesus estaria a construir no decorrer da história. Alguns,
talvez por pressentirem que a palavra de Jesus a Simão deveria se
estender a seus sucessores, procuram diminuir a importância do episódio
no que diz respeito a Pedro, afirmando que Cristo, quando fala “sobre
esta pedra edificarei minha Igreja”, estaria se referindo a si mesmo e
não a Pedro: "Sobre esta Pedra", a fé que acabas de professar
“construirei minha Igreja. O que é verdade”: a Igreja se constrói em
Cristo, pela adesão à pessoa de Cristo.
Mas acontece que Jesus diz,
penetrando as profundezas do ser de Pedro: “Tu és Kefa, Petrus” e só
depois: “sobre esta pedra...” Portanto entre a construção que Cristo
fará da Igreja no decorrer da história e Pedro há uma relação íntima. É
pela união com Ele, Cristo, pela fé, pelo batismo e pela Eucaristia, que
a Igreja é edificada. Cristo é o fundamento, o rochedo invisível que
alcançamos pela fé e ao qual somos unidos pela graça. Mas afirma Jesus,
mudando o nome de Simão: “Tu és kefa, Pedra, Rocha”. Ou seja, para que a
Igreja que Jesus construirá sempre de novo no curso da História - pois a
Igreja é construção permanente de Cristo - possa ser identificada e ser
uma e una, Cristo dá a Simão a missão de ser o sinal visível desta
unidade e unicidade. Onde está a igreja de Cristo? Como identificá-la.
Veja bem, é a fé em Cristo que faz a Igreja, mas a fé em
Cristo é aquela professada por Simão, a ele revelada pelo Pai, conforme
afirma Jesus: “Bem-aventurado és tu, Simão, filho de Jonas, porque não
foi carne ou sangue que te revelaram isto, e sim o meu Pai que está nos
céus”. Neste sentido, negar o lugar de Pedro é negar a profissão de Fé
em Cristo que constitui a Igreja e negar esta profissão de Fé é negar a
própria Igreja. Não existe uma Igreja de Cristo sem esta profissão de Fé
oriunda da convivência fraterna entre o Mestre e seus discípulos. Estão
equivocados os que acreditam poder viver na Igreja sem o reconhecimento
do papel da comunidade e dos apóstolos de Jesus.
Ser kefa, Rocha, é escolha do Pai, revelada a Jesus. O que faz o Apóstolo é sua profissão de fé. Quando em João Jesus diz: “Tu és Simão, o filho de
jonas; chamar-te-ás Kefas, que quer dizer Pedra”( Jo 1,42). É como se
Jesus dissesse: “eu te conheço bem e agora mudo teu destino, dou-te um
nome novo: Rocha”. Simão se tornou desde então Simão-Rocha e, depois,
simplesmente Kefas, Pedro. É natural, pois, que Pedro apareça nos
evangelhos como líder do grupo dos doze.
A construção da Igreja é ação de Cristo
através da história. A Igreja é construída por Ele hoje. Este é o
sentido de sua afirmação com o verbo em futuro que indica ação
permanente: “sobre esta pedra edificarei minha igreja”. Donde
necessariamente a missão de Pedro dever continuar em seu sucesso. Neste
sentido, desconhece as Escrituras ou propositalmente se nega o valor das
Escrituras ao se falar de Igreja ao mesmo tempo em que se nega Simão,
portador da profissão de Fé da qual brota a Igreja. Não é cristão verdadeiro o que não vê que a Igreja é uma construção constante dentro da História e caminha rumo à plenitude que não se encontra aqui. Vale ressaltar que daqui se entende que a Igreja identifique a si mesma como Povo de Deus a caminho.
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