Todos os biógrafos do tempo (Celano, São Boaventura, Legenda Perugina e
outros) atestam "o terníssimo afeto que Francisco de Assis nutria para
com todas as criaturas". Era de seu costume: dar o doce nome de irmãos e irmãs de quem
adivinhava os segredos, como quem já gozava da liberdade e da glória
dos filhos de Deus a todas as criaturas. Recolhia dos caminhos as lemas para não serem
pisadas; dava mel às abelhas no inverno para que não morressem de frio
ou de escassez; pedia aos jardineiros que deixassem um cantinho livre,
sem cultivá-lo, para que ai pudessem crescer todas as ervas.
Aqui notamos um outro modo-de-estar no mundo, diferente deste que nós conhecemos. Nesta o ser humano está sobre as coisas como quem as possui
e domina. O modo-de-estar de Francisco é colocar-se junto com elas para
conviver como irmãos e irmãs em casa. Ele intuiu misticamente o que
hoje sabemos por um dado de ciência: todos somos portadores do mesmo
código genético de base; por isso um laço de consanguinidade nos une,
fazendo que nos respeitemos e amemos uns aos outros e jamais usemos de
violência entre nós.
São Francisco está mais próximo dos povos originários, como os Yanomami
ou os andinos que se sentem parte da natureza do que dos filhos e filhas
da modernidade técnico-científica para os quais a natureza, tida como
selvagem, está ao nosso dispor para ser domesticada e explorada.
Toda modernidade se construiu quase que exclusivamente sobre a
inteligência intelectual; ela nos trouxe incontáveis comodidades. Mas
não nos fez mais integrados e felizes porque colocou em segundo plano ou
até recalcou a inteligência emocional ou cordial e negou cidadania à
inteligência espiritual.
Hoje faz-se urgente amalgamar estas três expressões da inteligência se
quisermos desentranhar aqueles valores e sentimentos que tem nelas o seu
nicho: a reverência o respeito e a convivência pacífica com a natureza e
a Terra. Esta diligência nos alinha com a lógica da própria natureza
que se consorcia, inter-retro-conecta todos com todos e sustenta a sutil
teia da vida.
Francisco viveu esta síntese entre ecologia interior e a ecologia
exterior a ponto de São Boaventura chama-lo de
"um homem de um outro tipo de mundo", diríamos hoje, de outro paradigma.
Esta postura será fundamental para o futuro de nossa civilização, da
natureza e da vida na Terra. A herança sagrada, legada por São Francisco
de Assis, poderá ajudar toda a humanidade a fazer a passagem deste tipo
de mundo que nos pode destruir para um outro, vivido em antecipação por
São Francisco, feito de irmandade cósmica, de ternura e de amor
incondicional.
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