segunda-feira, 21 de julho de 2014

Pequenas meditações Marianas





"POREI INIMIZADE ENTRE TI E A MULHER, ENTRE A TUA DESCENDÊNCIA E A DELA. ELA TE ESMAGARÁ A CABEÇA E TU LHE FERIRÁS O CALCANHAR' (Gn 3,15)

Este versículo do livro do Gênesis é conhecido como o "proto-Evangelho", que quer dizer "primeiro Evangelho. Nele está contido o germe da promessa messiânica. Trata, portanto, da promessa de um Redentor, do anúncio da vitória do Messias nascido de uma Mulher. A análise do Proto-Evangelho no sentido literal aponta para Eva. As Sagradas Escrituras identificam Eva como uma virgem que foi seduzida pela Serpente e que esteve sob o seu domínio (Eclo 25,24; 2Cor 11,3; 1Tim 2,14). A partir destes colóquios, não podemos atribuir a Eva a figura da mulher do Proto-Evangelho. Se torna, portanto, necessária a análise do texto no sentido pleno. Esta análise, de maneira mais profunda que no sentido estritamente literal, esclarece vários aspectos que não se apresentaram de forma transparente na descrição do autor. Desta forma se conhece o sentido maior de um texto das Sagradas Escrituras à luz de outros textos das mesmas escrituras que dão um significado mais amplo àquilo que nos parecia restrito.


Para conhecermos o sentido pleno do Proto-Evangelho, servir-me-ei de inúmeras passagens das Sagradas Escrituras e, de modo especial, do texto inerente à batalha entre a Mulher e o Dragão descrito no livro do Apocalipse de São João. Antes, porém, não poderia deixar de tecer alguns comentários inerentes ao gênero literário utilizado pelo seu escritor, comentários estes, de caráter imprescindível para a compreensão de suas revelações.


O Apocalipse foi escrito por São João Evangelista nos ultimos anos de sua vida terrena, quando estava aprisionado na ilha de Patmos. Sua descrição, considerando o momento vivido pelo autor, utilizou-se de uma série de visões e revelações simbólicas, apresentando uma mesma realidade com diferentes símbolos inerentes à história da salvação dos homens, no intuito de dificultar a compreensão por parte dos perseguidores e não cristãos, levando em conta que se fosse escrito numa linguagem comum, dificilmente chegaria ao seu destino. Foi escrito sob a forma de carta dirigida aos cristãos da Asia menor em um período histórico marcado pelas perseguições a que os cristãos eram submetidos e que os levava muitas vezes à perda da esperança no retorno glorioso de Jesus. Para se compreender melhor esta questão a respeito do gênero literário do Apocalipse se faz necessário observar o Evangelho segundo São João e suas três cartas apostólicas contidas no Novo Testamento, visto que, fora da prisão, o mesmo autor deixa transparente nos seus escritos o seu estilo e o seu gênero literário.


O texto do Apocalipse é uma mensagem sobrenatural marcada por toda uma simbologia que representa tanto o passado, como o presente e o futuro, estimulando os cristãos à perseverança e preparando-os para suportar as perseguições sem desistirem da luta e sem perderem a esperança na vitória final com Cristo, aquele que venceu a morte. É importante ressaltar ainda que, no texto do capítulo 12 do Apocalipse, a forma precisa com que São João descreve em cada detalhe a figura da Mãe de Jesus, se deve so seu convívio muito íntimo com ela desde que a levou consigo para sua casa (Jo 19,27).

Adentrando no estudo do texto do Apocalipse, compreendemos, de forma óbvia, que a mulher descrita tanto no Proto-Evangelho quanto na luta contra o Dragão é Maria, a mãe de Jesus: "Ela deu à luz um filho, um menino, aquele que deve reger todas as nações com cetro de ferro" (Ap 12,5). Este versículo se torna ainda mais claro quando o analisamos à luz de outros textos das Sagradas Escrituras. Assim, o nascimento de Jesus e o seu governo sobre todas as nações é descrito no livro dos Salmos (Sl 2,7-9) e pelo profeta Isaias (Is 7,14), dentre outras passagens bíblicas. Estas palavras se cumprem com o nascimento de Jesus, conforme descreve São Mateus (Mt 1,18-25). Mais tarde, São Lucas deixa claro que é Jesus, o filho de Maria, aquele que regerá todas as nações (At 13,33). Com a mesma precisão, São Paulo faz referência ao mesmo fato (Hb 1,5;5,5).



A sequência do texto apocalíptico narra que "a mulher fugiu então para o deserto, onde Deus lhe tinha preparado um retiro para aí ser sustentada por mil duzentos e sessenta dias (...) fora do alcance da cabeça da Serpente" (Ap 12,6.14). Esta passagem se refere à fuga para o Egito, local onde José, avisado pelo anjo do Senhor, levou o menino e sua mãe para lá permanecerem até a morte de Herodes, evitando, dessa forma, que o menino Jesus fosse vítima da matança dos inocentes promovida por Herodes em Belém e no seu entorno (Mt 2,13-16). Note-se, neste caso, que o período que a sagrada família passou no Egito foi de aproximadamente três anos e meio, o que corresponde, também de forma aproximada, ao período de mil duzentos e sessenta dias (Ap 11,3; 12,6) ou, em outros termos, quarenta e dois meses (Ap 11,2), ou aínda, numa linguagem mais simbólica, um tempo, dois tempos e a metade de um tempo (Ap 12,14).



Não há dúvida, portanto, que aquela mulher descrita no Proto-Evangelho é Maria, a mãe de Jesus. Retornando ao texto do Gênesis, vemos que tal inimizade foi posta em duas dimensões distintas, sendo a primeira inderente à Serpente e a Mulher, e a segunda inerente às descendências de ambas. A análise do texto no sentido pleno deixa claro, comos vimos anteriormente, que o descendente da mulher é Jesus, implicando, desta forma, necessariamente, sua mãe, Maria Santíssima, visto que pelo conhecimento da genealogia descendente se chega, conseqüentemente, à comprovação da genealogia ascendente. Neste sentido, este estudo aponta para Jesus e para Maria como protagonistas da batalha renhida e da vitória final contra a serpente.


A serpente se constituiu, no texto do gênesis, na forma utilizada por Satanás para proceder ao seu disfarce. Foi através dela que ele seduziu a primeira mulher, colocando no seu coração o mesmo pecado cuja conseqüência lhe custou a queda do paraíso celeste. As Sagradas Escrituras se servem de vários termos para identificar o anjo decaído: Serpente (Gn 3,15); Demônio (Sb 2,24); Diabo (Jo 13,2); Tentador (Mt 4,3; 1Tes 3,5); Malígno (1Jo 5,18-19); Príncipe do Mundo (Jo 12,31), Destruidor (Ap 9,11); Acusador e Dragão (Ap 12, 9-12), dentre tantos outros predicados, de modo que todas estas formas de identificação exprimem as características pertinentes à ação proveniente de sua inimizade para com a mulher e sua descendência.


Aquilo que, segundo as Sagradas Escrituras, era ostentado por Lúcifer - Ser semelhante ao Altíssimo (Is 14,14) - Deus concedeu ao homem: "Façamos o homem à nossa imagem e semelhança" (Gn 1,26), de maneira que este fato se constitui na razão maior que levou Satanás a investir contra o homem a fim de que este descaracterizasse aquilo que tinha de mais sublime, que era a imagem e semelhança de Deus. Tornou-se, pois, necessário, segundo o plano de Deus, que a Eva do Gênesis, destituida da imagem e da semelhança do Criador, fosse substituida por uma virgem cheia de graça (Lc 1,28), que daria à luz a uma nova geração. Nela o Verbo de Deus se fez carne (Jo 1,14) e trouxe aos homens a redenção de todo o pecado (Sl 129,7; Rm 3,24; Ef 1,7; 4,30; Col 1,14; Hb 9,12). Eis, portanto, a causa maior da inimizade da serpente para com a mulher. Esta relação entre Eva e a Mãe de Jesus a partir do sentido pleno das Sagradas Escrituras levou muitos cristãos a várias reflexões que referendam a definição exegetica de que Maria é a mulher do Proto-Evangelho.


No ano 165, São Justino afirma que "Eva era uma virgem incorrupta que, concebendo a palavra da Serpente, gerou a desobediência e a morte para a humanidade. A Virgem Maria, porém, concebeu fé e alegria quando o Anjo Gabriel lhe anunciou a Boa Nova" Estas palavras foram complementadas por Santo Irineu no ano 202 no seguinte teor: "Como Eva, que tendo-se feito desobediente, se tornou causa de morte tanto para si quanto para todo o gênero humano, também Maria, obedecendo, tornou-se causa de salvação tanto para si quanto para todo o gênero humano. (...) O nó da desobediência de Eva foi desatado pela obediência de Maria. (...) O que a virgem Eva ligou pela incredulidade, a Virgem Maria desligou pela fé."



Mais tarde, no ano 403, Santo Epifânio afirma que: "Numa consideração exterior e aparente, dir-se-ia que de Eva derivou a vida de todo o gênero humano sobre a terra. Mas na verdade, é de Maria que deriva a verdadeira vida para o mundo. É Ela que dá à luz o Filho Vivente. Portanto, o título de "Mãe do Viventes" queria indicar, na sombra e na figura, a pessoa de Maria, Mãe de Jesus". O título de "Nova Eva" considera que Maria é a mulher "Mãe dos Vivos", pois foi ela que deu à luz o seu filho Jesus, o Vencedor da Morte, aquele que é a cabeça do Corpo Místico de Cristo que é a Igreja (Ef 1,22-23; 4,15; 5,23; Col 1,18; 2,19; 1Pd 2,25). Desta forma, ao dar à luz àquele que é a cabeça da Igreja, do Corpo Místico de Cristo, Maria, misticamente, se torna também Mãe da Igreja, ponderando que aquela que dá à luz à cabeça, também o dá ao corpo na sua totalidade, na sua integralidade.



Esta relação entre Eva e a Mãe de Jesus é também referendada pelo Concílio Ecumênico Vaticano II, considerando a descrição das Sagradas Escrituras no seu sentido pleno e associando estes estudos exegéticos ao testemunho dos santos. De semelhante maneira, a Constituição Apostólica Munificentissimus Deus (definição dogmática da assunção de Maria ao céu) proclamada pelo Papa Pio XII em 1950, leva em consideração que desde o século II a Virgem Maria é reconhecida como a "Nova Eva", intimamente unida ao "Novo Adão" (Rm 5, 12-19) na luta contra o demônio, luta esta que, profetizada no Proto-Evangelho, terá o seu final na vitória completa sobre o pecado e sobre a morte (Is 25,8; Os 13,14; Rm 5,6; 1Cor 15,21-26.54-57). Esta relação EVA/MARIA é também citada no nº 55 da Constituição Dogmática Lumen Gentium (sobre a Igreja), no nº 11 da Carta Encíclica Redemptoris Mater (sobre a Bem-Aventurada Virgem Maria na vida da Igreja que está a caminho) e no nº 19 da Carta Apostólica Muliewris Dignitatis (sobre a mulher na Igreja).


Percebe-se, então, que as Sagradas Escrituras, a Tradição e o Magistério da única Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo, com a mais absoluta propriedade, afirmam que Maria Santíssima é a Mulher que, junto com a sua descendência que é a Igreja, o Corpo Místico de Cristo, esmagará a cabeça da Serpente. Sabemos que a Serpente é o Lúcifer, aquele "anjo decaído", aquele Dragão que arrastou com sua cauda a terça parte dos anjos celestiais quando foi precipitado sobre a terra (Ap 12,4). Sabemos também que a Mulher que recebeu a inimizade da Serpente é aquela que deu à luz um filho que regerá todas as nações (Sl 2,7-9; Is 7,14; Mt 1,18-25; At 13,33; Hb 1,5; 5,5; Ap 12,5), que fugiu para o deserto a fim de preservar a vida do seu filho longe do alcance da Serpente (Ap 12,6.14; Mt 2,13-16), que é cheia de graça (Lc 1,28), que todas as gerações a proclamarão Bem-Aventurada (Lc 1,48). Da mesma forma sabemos que a descendência da Mulher é a Igreja, o Corpo Místico de Cristo (Ef 1,22-23; 4,15; 5,23; Col 1,18; 2,19; 1Pd 2,25), os que guardam os mandamentos de Deus e têm o testemunho de Jesus (Ap 12,17).


A pessoa de Nossa Senhora é, portanto, a Mulher do Proto-Evangelho (Gn 3,15) que aparece como um grande sinal no céu (Ap 12). Da mesma maneira que o Proto-Evangelho descreve, no início da história da Salvação, o combate entre a serpente e a Mulher incluindo as descendências de ambas, o triunfo final da Igreja de Cristo descrito no Apocalipse não poderia excluir a Mãe de Jesus da festa da vitória final. Com efeito, da mesma forma como não pode se conceber a origem da Igreja de Cristo sem a presença de sua mãe, Maria Santíssima, o seu triunfo não se dará sem Ela. Ela, como a "Nova Eva", tornou-se, por mercê de Deus, a Mãe de todos os viventes que, aceitando o seu Filho Jesus como Salvador, receberam-na como Mãe e proclamam-na BEM-AVENTURADA. É exatamente nesta proclamação que são identificados aqueles que pertencem à descendência da Mulher, a única Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo, os filhos da Doce, Humilde, Bem-Aventurada e Sempre Virgem Maria!

 

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