A
Igreja vive da Eucaristia. Esta verdade não exprime apenas uma experiência
diária de fé, mas contém em síntese o próprio núcleo do mistério da Igreja.
É com alegria que ela experimenta, de diversas maneiras, a realização
incessante desta promessa: "Eu estarei sempre convosco, até ao fim do
mundo" (Mt 28, 20); mas, na sagrada Eucaristia, pela conversão do
pão e do vinho no corpo e no sangue do Senhor, goza desta presença com uma
intensidade sem par. Desde o Pentecostes, quando a Igreja, povo da nova
aliança, iniciou a sua peregrinação para a pátria celeste, este sacramento
divino foi ritmando os seus dias, enchendo-os de consoladora esperança.
O
Concílio Vaticano II, realizado entre 1962 e 1965, justamente afirmou que o sacrifício eucarístico é "fonte e centro de toda a vida cristã". Com efeito, na santíssima Eucaristia,
está contido todo o tesouro espiritual da Igreja, isto é, o próprio Cristo, a
nossa Páscoa e o pão vivo que dá aos homens a vida mediante a sua carne
vivificada e vivificadora pelo Espírito Santo. Por isso, o olhar da Igreja volta-se
continuamente para o seu Senhor, presente no sacramento do Altar, onde descobre
a plena manifestação do seu imenso amor. Jesus tomou nas suas mãos o pão, partiu-o e deu-o aos seus
discípulos, dizendo: "Tomai, todos, e comei: Isto é o meu Corpo que será
entregue por vós" (cf. Mt 26, 26; Lc 22, 19; 1 Cor 11,
24). Depois, tomou nas suas mãos o cálice com vinho e disse-lhes: "Tomai,
todos, e bebei: Este é o cálice do meu Sangue, o Sangue da nova e eterna
aliança, que será derramado por vós e por todos para remissão dos
pecados" (cf. Mc 14, 24; Lc 22, 20; 1 Cor 11, 25).
Teriam os
Apóstolos, que tomaram parte na Última Ceia, entendido o significado das
palavras saídas dos lábios de Cristo? Talvez não. Aquelas palavras seriam
esclarecidas plenamente só no fim do Tríduo Pascal, ou seja, aquele
período de tempo que vai da tarde de Quinta-feira Santa até à manhã do Domingo
de Páscoa. Nestes dias, está contido o Mistério Pascal neles está
incluído também o Mistério Eucarístico.
Do
mistério pascal nasce a Igreja. Por isso mesmo a Eucaristia, que é o sacramento
por excelência do mistério pascal, está colocada no centro da vida eclesial.
Isto é visível desde as primeiras imagens da Igreja que nos dão os Atos do
Apóstolos: "Eram assíduos ao ensino dos Apóstolos, à união fraterna, à
fração do pão, e às orações" (2, 42). Na "fração do pão", é
evocada a Eucaristia. Dois mil anos depois, continuamos a realizar aquela
imagem primordial da Igreja. E, ao fazê-lo na celebração eucarística, os olhos
da alma voltam-se para o Tríduo Pascal: para o que se realizou na noite de
Quinta-feira Santa, durante a Última Ceia, e nas horas sucessivas. De fato, a
instituição da Eucaristia antecipava, sacramentalmente, os acontecimentos que
teriam lugar pouco depois, a começar da agonia no Getsêmani. Revemos Jesus que
sai do Cenáculo, desce com os discípulos, atravessa a torrente do Cedron e
chega ao Horto das Oliveiras. Naquela noite, quando Cristo, em oração, sentiu uma angústia mortal "e o seu suor tornou-se-Lhe como grossas gotas de sangue, que caíam na
terra" (Lc 22, 44). O sangue que, pouco antes, tinha entregue à
Igreja como vinho de salvação no sacramento eucarístico, começava a ser
derramado; a sua efusão completar-se-ia depois no Gólgota, tornando-se o
instrumento da nossa redenção: "Cristo, vindo como Sumo Sacerdote dos
bens futuros [...] entrou uma só vez no Santo dos Santos, não com o sangue dos
carneiros ou dos bezerros, mas com o seu próprio sangue, tendo obtido uma
redenção eterna" (Hb 9, 11-12).
Embora profundamente turvado, Jesus não foge ao ver
chegar a sua hora: "E que direi Eu? Pai, salva-Me desta
hora? Mas por causa disto é que cheguei a esta hora!" (Jo 12, 27).
Quer que os discípulos Lhe façam companhia, mas deve experimentar a solidão e o
abandono: "Nem sequer pudestes vigiar uma hora Comigo. Vigiai e orai para
não cairdes em tentação" (Mt 26, 40-41). Aos pés da cruz, estará
apenas João ao lado de Maria e das piedosas mulheres. A agonia no Getsêmani foi
o prelúdio da agonia na cruz de Sexta-feira Santa. A hora santa, a hora
da redenção do mundo. Quando se celebra a Eucaristia na basílica do Santo
Sepulcro, em Jerusalém, volta-se de modo quase palpável à "hora" de
Jesus, a hora da cruz e da glorificação. Até àquele lugar e àquela hora se
deixa transportar em espírito cada presbítero ao celebrar a Santa Missa,
juntamente com a comunidade cristã que nela participa.
"Foi
crucificado, morto e sepultado; desceu à mansão dos mortos; ressuscitou ao
terceiro dia". Estes artigos da profissão de fé ecoam nas seguintes
palavras de contemplação e proclamação: Eis o madeiro da Cruz, no qual
esteve suspenso o Salvador do mundo. Vinde adoremos! É o convite que a
Igreja faz a todos na tarde de Sexta-feira Santa. E, quando voltar novamente a
cantar já no tempo pascal, será para proclamar: Ressuscitou do sepulcro
o Senhor que por nós esteve suspenso no madeiro. Aleluia .
Quando o sacerdote pronuncia ou
canta estas palavras, os presentes aclamam: "Anunciamos, Senhor, a vossa
morte, proclamamos a vossa ressurreição. Vinde, Senhor Jesus! ".Com estas
palavras ou outras semelhantes, a Igreja, ao mesmo tempo que apresenta Cristo
no mistério da sua Paixão, revela também o seu próprio mistério: Ecclesia
de Eucharistia. (Igreja da Eucaristia). Se é com o dom do Espírito Santo, no Pentecostes, que a
Igreja nasce e se encaminha pelas estradas do mundo, um momento decisivo da sua
formação foi certamente a instituição da Eucaristia no Cenáculo. O seu
fundamento e a sua fonte é todo o Triduo Pascal, mas este está de
certo modo guardado, antecipado e concentrado para sempre no dom
eucarístico. Neste, Jesus Cristo entregava à Igreja a atualização perene do
mistério pascal. Com ele, instituía uma misteriosa contemporaneidade entre aquele Triduo vivido por Jesus e o arco inteiro
dos séculos. Este
pensamento suscita em nós sentimentos de grande e reconhecido enlevo. Há, no
evento pascal e na Eucaristia que o atualiza ao longo dos séculos, uma capacidade realmente imensa, na qual está contida a história
inteira, enquanto destinatária da graça da redenção. Este enlevo deve invadir
sempre a assembleia eclesial reunida para a celebração eucarística; mas, de
maneira especial, deve inundar o ministro da Eucaristia, o qual, pela faculdade
recebida na Ordenação sacerdotal, realiza a consagração; é ele, com o poder que
lhe vem de Cristo, do Cenáculo, que pronuncia: "Isto é o meu Corpo que
será entregue por vós"; "este é o cálice do meu Sangue, [...] que
será derramado por vós". O sacerdote pronuncia estas palavras ou, antes,
coloca a sua boca e a sua voz à disposição d'Aquele que as pronunciou no
Cenáculo e quis que fossem repetidas de geração em geração por todos
aqueles que, na Igreja, participam ministerialmente do seu sacerdócio.
O
Concílio Vaticano II, embora não tenha publicado qualquer documento específico
sobre o mistério eucarístico, todavia ilustra os seus vários aspectos no
conjunto dos documentos, especialmente na constituição dogmática sobre a Igreja
Lumen gentium e na constituição sobre a sagrada Liturgia Sacrosanctum
concilium. A
este esforço de anúncio por parte do Magistério correspondeu um crescimento
interior da comunidade cristã. Não há dúvida que a reforma litúrgica do
Concílio trouxe grandes vantagens para uma participação mais consciente,
activa e frutuosa dos fiéis no santo sacrifício do altar. Mais ainda, em muitos
lugares, é dedicado amplo espaço à adoração do Santíssimo Sacramento,
tornando-se fonte inesgotável de santidade. A devota participação dos fiéis na
procissão eucarística da solenidade do Corpo e Sangue de Cristo é uma graça do
Senhor que anualmente enche de alegria quantos nela participam. E mais sinais
positivos de fé e de amor eucarísticos se poderiam mencionar.
A par
destas luzes, não faltam sombras, infelizmente.De fato, há lugares onde
se verifica um abandono quase completo do culto de adoração eucarística. Num
contexto eclesial ou outro, existem abusos que contribuem para obscurecer a
reta fé e a doutrina católica acerca deste admirável sacramento. Às vezes
transparece uma compreensão muito redutiva do mistério eucarístico. Despojado
do seu valor sacrificial, é vivido como se em nada ultrapassasse o sentido e o
valor de um encontro fraterno ao redor da mesa. Além disso, a necessidade do
sacerdócio ministerial, que assenta na sucessão apostólica, fica às vezes
obscurecida, e a sacramentalidade da Eucaristia é reduzida à simples eficácia
do anúncio.
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