MANEIRAS DE PENSAR E FALAR SOBRE JESUS
Há três maneiras de pensar e de falar sobre Jesus Cristo. Duas delas não
se coadunam com a fé cristã: Jesus visto como um ser humano qualquer,
destituindo- o de sua divindade, e Jesus concebido apenas como Deus,
esquecendo-se de sua humanidade. A fé
cristã afirma ao mesmo tempo a divindade e a humanidade de Jesus, vendo-o como
Deus que se fez homem, como homem que é Deus, como o crucificado que é
ressuscitado.
Vejamos as características de cada
uma destas três visões. O objetivo é ajudar o aluno a chegar à compreensão do
centro da discussão cristológica, passando pela observação das atitudes e
comportamentos mais diversos que o mundo de hoje tem diante de Jesus de Nazaré.
1.1. JESUS DE NAZARÉ: UM SER HUMANO
QUALQUER
Um ser humano qualquer. Este é o modo de tratar Jesus próprio da maioria
dos historiadores, jornalistas, repórteres, estudiosos da religião,
romancistas, religiosos gnósticos. Veem Jesus como o fundador de uma nova
religião, o reformador da religião judaica, um profeta de Israel, um místico,
um conhecedor dos mistérios religiosos, um contestador social, um líder
político, um homem bom e simples, um amigo do povo, um homem santo, um homem
possuído por Deus.
Não falam, nem escrevem como cristãos, como
pessoas de fé. Por isso, não pressupõem a divindade de Jesus de Nazaré. Às
vezes, até a negam. Por negarem ou menosprezarem a divindade de Jesus,
descartam as verdades da fé cristã. Todas elas se relacionam com a pessoa
divina de Jesus Cristo: a pré-existência de Jesus na eternidade, a existência
de um Só Deus em três pessoas, a concepção virginal de Maria, a virgindade, a
consciência divina e messiânica de Jesus, a ressurreição, a oferta divina da
salvação e a centralidade e unicidade de Jesus Cristo para a salvação de toda a
humanidade, a origem divina e a santidade da Igreja, os meios de salvação, da
Palavra e dos sacramentos, a santidade dos mandamentos e da moral cristã, a
predestinação de todos à comunhão com Deus etc. Como se percebe, a rejeição da
divindade de Jesus leva ao desmoronamento de todo o arcabouço do credo cristão.
Essa
maneira de pensar e de falar sobre Jesus está muito presente nas produções da
mídia, da religião, da política e da ciência de hoje. Reportagens em revistas e
na televisão, filmes, romances, histórias de Jesus, entre outras produções
culturais, pretendem ocupar espaço no mercado, satisfazer curiosidades e
futilidades descomprometidas com engajamento religioso e com a dimensão social
da prática religiosa. Não estão interessadas na dimensão divina de Jesus, nem
na confissão da fé cristã. Muitas expressões religiosas atuais, como o
espiritismo, a maçonaria, os movimentos gnósticos e esotéricos, a Nova Era,
entre outros, embora apreciem os ensinamentos de Jesus de Nazaré como mestre espiritual,
não reconhecem sua divindade. Alguns movimentos sociais e políticos, com fortes
motivações para a transformação da realidade, recorrem à crítica profética de
Jesus à sociedade, vendo-o apenas como um mestre na contestação política e na
instauração de uma nova ordem social, e não como o único divino salvador.
Do
mesmo modo, muitos escritos científicos, nas áreas da história, da psicologia, da sociologia,
das ciências da religião, entre outras, por causa dos pressupostos do método
científico, não se interessam pela divindade de Jesus. Essas produções literárias, científicas,
políticas, religiosas, artísticas ou jornalísticas, despojam a pessoa de Jesus
de toda a interpretação que sobre ele foi dada pela Igreja no decorrer dos dois
milênios do cristianismo. Segundo os autores dessa tendência, a interpretação
da Igreja está marcada por muita mitologia, jogos simbólicos, fantasias,
crendices, lendas. Despojando Jesus de todo esse arcabouço interpretativo,
chegaríamos ao Jesus de Nazaré tal e qual, pura e simplesmente homem. Ainda que
dotado de qualidades espirituais peculiares.
O que temos a dizer sobre essa
tendência?
É preciso reconhecer que há valores nesse modo de pensar e de falar sobre
Jesus. Há, aí, uma preocupação em
resgatar a realidade concreta, histórica, social, política, em uma palavra,
humana, da pessoa de Jesus Cristo. Como veremos adiante, a fé cristã também
afirma a humanidade de Jesus. O credo cristão tem como base à existência
histórica do homem de Nazaré, com suas opções e causas, seus conflitos e
posicionamentos, com sua vida e morte. Mas, a negação da divindade de Jesus
Cristo, como foi dito acima, põe abaixo todo o conteúdo e o sentido da fé
cristã.
Se
Jesus não é Deus, ele não pode ser o nosso salvador. Se Jesus não é Deus, a
Igreja por ele fundada é apenas uma instituição humana, uma entidade
filantrópica, uma agência de serviços religiosos. Se Jesus não é Deus, todas as
mediações religiosas do cristianismo (sacramentos, ritos, celebrações, orações,
mandamentos, virtudes etc.) são apenas invenções humanas. Se Jesus não é Deus,
então, não vale a pena segui-lo, dar a vida por ele, acreditar na sua Palavra,
orar a ele, dedicar-se ao anúncio e à prática de seu Evangelho.
1.2. JESUS CRISTO UM DEUS DAS ALTURAS
Embora seja mais difícil de conceber Jesus de Nazaré apenas como Deus,
por causa da evidência de sua humanidade (seu corpo, sua inserção na geografia
e na história humanas, e, mais concretamente, seus sofrimentos e sua morte), há
pessoas e grupos, no interior do cristianismo, que insistem demasiadamente na
divindade de Jesus, a ponto de esquecerem sua humanidade.
Este
é o modo de tratar Jesus próprio de um grande número de movimentos e igrejas
cristãs, notadamente as de caráter fundamentalista, que teimam em realçar as
palavras e os fatos extra-ordinários de Jesus. Insistem no miraculoso e, às
vezes, no fantástico. Não se dão conta de que, agindo assim, tratam da história
de Jesus de Nazaré como se fosse uma peça de teatro, escrita desde toda a
eternidade por Deus, dirigida pelo Pai, protagonizada por um homem, que faz o
papel de Deus na história humana.
Jesus seria visto como o ator de uma tragédia, uma encenação terrena que
reflete a luta sobrenatural entre Deus e o diabo. Jesus seria uma espécie de marionete, um
fantoche, um robô. Desarticulado e desconectado de inserções históricas e
sociais, Jesus é tratado como uma idéia, um ideal, um mito, uma representação,
um simples conceito abstrato. Embora não neguem teoricamente a humanidade de
Jesus, acabam por negá-la na prática. Por menosprezarem as conseqüências
práticas da humanidade de Jesus, não sabem articular importantes temas da
cristologia e da vida cristã. Têm dificuldades para entender e trabalhar
realidades concretas da vida de Jesus: as tentações, as crises, as angústias e
aflições, o desenvolvimento de Sua consciência humana, as mudanças de percurso,
o crescimento na fé, o despertar para sua consciência divina e para sua missão
messiânica, os condicionamentos históricos e culturais de sua mensagem e de sua
prática, os conflitos com os donos da política e da religião da época, a tomada
de posição ao lado dos pequenos e pobres, as mediações concretas de sua obra
evangelizadora, a ignorância sobre a vinda definitiva do Reino, as dores e, o
sofrimento, o grito de abandono e a morte de cruz.
Essas realidades tão humanas da vida de Jesus são vistas apenas como
práticas Pedagógicas: “Jesus fez de conta que..., para nos ensinar como...”. A
humanidade de Jesus seria uma peça teatral, uma paródia, uma farsa. Como se
pode constatar, a rejeição prática da humanidade de Jesus, além de contradizer
dados concretos e evidentes dos
evangelhos, torna sua pessoa distante e desligada da realidade humana cotidiana e, portanto, leva ao
desmoronamento de todo o arcabouço da
moral e da espiritualidade cristãs.
Essa maneira de pensar e de falar sobre Jesus está muito presente em
determinados movimentos e comunidades
cristãs da atualidade que insistem no
elemento miraculoso da salvação
oferecida por Jesus Cristo. Apresentam a religião cristã como caminho de
solução para todos os problemas: doenças, desemprego, crises conjugais,
problemas afetivos, desordens morais, vícios etc.
Na
linha da magia, Jesus é salvador na medida em que expulsa os demônios que
estariam impedindo
a felicidade dos fiéis. A teologia da prosperidade vê Jesus como salvador na
medida em que recompensa, com bênçãos e soluções de problemas, às pessoas que,
abnegadamente, fazem doações à sua igreja-empresa.
Segundo
uma recorrente escatologia da retribuição, Jesus está para voltar, em sua
segunda vinda, de modo apoteótico e triunfante, para intervir na realidade
e arrebatar aos céus os seus eleitos,
condenando os perversos ao fogo dos infernos.
Para uma veemente teologia do sacrifício, Jesus salva os que renunciam
aos prazeres do mundo, com jejuns e penitências merecedores das boas graças do
céu.
Para os que propõem a fuga do mundo, Jesus
salva os que se refugiam nas sacristias,
em uma espiritualidade intimista e
interiorista. Segundo o fundamentalismo
religioso cristão ou um perigoso integrismo católico, Jesus salva somente os que se inscrevem na única igreja
verdadeira.
Essas
expressões cristãs despojam a pessoa de Jesus de toda a inserção na história,
de todo engajamento no mundo. Desencarnam Jesus. Desligam Deus das realidades
mundanas. Despojando Jesus de sua encarnação histórica e social, pretendem
chegar ao Deus único, espírito perfeitíssimo, senhor absoluto, ser supremo. Ainda que estranha e paradoxalmente
marcado por vicissitudes humanas e
históricas.
O que temos a dizer sobre essa
tendência?
Há valores nesse
modo de pensar e de falar sobre Jesus. Há, aí, uma preocupação
em retomar e
relançar o fato inédito e inaudito da presença e da ação de Deus na história humana. Como veremos adiante, a fé
cristã também afirma a divindade de
Jesus. Mas, a negação da humanidade de Jesus Cristo põe abaixo o
conteúdo e o sentido da fé cristã,
naquilo que implica a prática de uma moral e de uma espiritualidade específicas, ou seja, de um
modo novo e diferente de ser humano.
Se Jesus não é
verdadeiramente humano em tudo, nas tentações e fraquezas, nos
limites e
condicionamentos, nos sofrimentos, crises e cruzes, próprios do ser humano, ele
não pode ser o nosso salvador.
Se
Jesus não assume nossa real e concreta humanidade, então não somos real e
totalmente redimidos. Se Jesus não assume a história humana, com seus
conflitos, suas exigências de posicionamentos e opções, suas mediações
culturais e sociais, seus processos de desenvolvimento e de amadurecimento,
então, nossa humanidade não é verdadeiramente transformada e libertada daquilo
que ela tem de pecaminoso. Se Jesus não é um ser humano, então, não é possível
imitá-lo e segui-lo, dar a vida como ele, praticar a sua Palavra, dedicar-se à transformação das
estruturas e à conversão das pessoas na linha de seu Evangelho.
1.3 JESUS DE NAZARÉ: O CRISTO DE NOSSA
FÉ
Jesus de Nazaré é a presença e a ação de Deus em nossa história. E desse
modo que os cristãos concebem e anunciam Jesus Cristo. Trata-se de um paradoxo
uma aparente contradição. Ou, como disse São Paulo, um escândalo para os
pagãos, uma loucura para os judeus.
Afirmar que Jesus de Nazaré, o crucificado, é o Senhor ressuscitado, o Cristo
de nossa fé, é, para nós, cristãos, a sabedoria de Deus (1 Cor 1,20-25).
Este
é o núcleo central e específico da fé cristã. É nisso que os cristãos se
diferenciam de todas as outras religiões. E nisso que se unem todos os
cristãos, de qualquer igreja ou denominação — católicos, ortodoxos,
evangélicos, pentecostais. Nós, cristãos, cremos num homem que é Deus, num
crucificado que ressuscitou. Está claro
que se ele é Deus, é porque ele já era Deus, desde sempre, desde toda a
eternidade. Cremos, portanto, num Deus que se fez homem.
Nós,
cristãos, cremos num homem que amou até o fim (Jo 13,1), que pagou com a morte
a promoção e a defesa da vida dos marginalizados, que morreu por amor de seus
irmãos, que foi vítima inocente na mão de gente ímpia (At 2,23). Esta nossa fé
é confirmada pela ressurreição. Aquele que tinha tanto amor para dar (Jo
15,13), que era o senhor da vida (Jo 10,18; 14,6), que veio trazer vida em
abundância (Jo 10,10), não podia permanecer na morte. Tão humano assim, só pode
ser Deus. A morte não tinha poder sobre ele (Rm 6,9). Ao assumir a morte, ele a
derrotou. O crucificado ressuscitou. Ao assumir os pecados de seus assassinos e
de todos os seres humanos, ele os perdoou e os queimou no fogo de sua
misericórdia. Tão humano assim, só Deus pode ser.
Quem
ressuscitou foi aquele que se predispôs à morte. O ressuscitado não caiu do
céu, não é um mito, um ator de uma peça de teatro, mas é alguém que morreu por
uma causa, na fidelidade a um projeto, por causa do Reino que anunciou e
iniciou. A fé cristã se baseia neste
escândalo: o crucificado é o ressuscitado, o ressuscitado é o crucificado.
Nossa
fé em um crucificado-ressuscitado (1 Cor 2,2; 2 Cor 13,4), que assumiu e
venceu a morte,
e, nela, todas as maldades dos pecadores e todos os limites da humanidade, é
confirmada pela exaltação e glorificação desse homem como Deus. Mas, aquele que
foi exaltado é aquele que havia descido (Fl 2,6-11), que viera a nós, que havia
se encarnado em nosso meio (Jo 1,14), que quisera ser Deus - conosco (Mt
1,22-23). A fé cristã se baseia neste escândalo: este homem é Deus, este Deus
fez-se homem.
Crucificado-ressuscitado,
homem-Deus. Trata-se de uma identidade na contradição. Jesus de Nazaré é o
Cristo da nossa fé. O Senhor da história, o Cristo de nossa fé, nosso único
Salvador, o Deus de nossas vidas, é Jesus de Nazaré. Trata-se de uma
identidade: o morto está vivo, o crucificado é o ressuscitado, este homem é
verdadeiramente Deus. Mas, na contradição: Como pode um homem ser Deus? Como
pode um morto ressuscitar? E
precisamente este escândalo, este paradoxo, esta tensão, o centro de nossa fé.
E o que desenvolveremos a seguir.
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