Ao
ouvirmos ou pronunciarmos o nome de Maria nossa mente e nosso coração se enchem
de sentimentos e de reflexões. Todo um imaginário de devoção e de fé povoa
nosso ser. Ao longo da história encontramos muitas pessoas que se interessaram
em buscar compreender a pessoa e a função de Maria no plano de Salvação.
Encontramos milhares de pessoas que se relacionam com a Mãe de Deus pela
devoção pessoal e comunitária, nem sempre aprofundando ou interessando-se em
aprofundar a compreensão do papel mariano no conjunto do projeto divino.
Encontramos também pessoas que não criaram vínculos com Nossa Senhora e não
sentem essa necessidade. Encontramos também quem pergunte o porquê de tanto
interesse.
1.1 Por
que conhecer Maria?
“Maria
está no coração da história da salvação” (LG 65). Ela é a mulher que nos ajuda
a contemplar o mistério do ser humano e da Igreja por dentro, a partir da
encarnação.
Com
o seu sim, ela se associa intimamente a Deus Trindade, colaborando plenamente
para a realização do projeto salvífico. Essa união íntima a coloca em um lugar
singular, o coração da história. Esse coração é o próprio Jesus Cristo. Nele o
ser humano encontra a sua própria identidade (GS 22). Conhecer Maria é entrar
no coração. Olhar para ela é olhar para o Verbo Encarnado, é contemplar o
mistério do Deus que se faz pequeno e humano, frágil e despojado, cheio de amor
pela criação.
Conhecer
Maria é percorrer o caminho da identidade do ser humano, pois nela os fios da
teia do mistério da vida se entrecruzam e se ligam com o divino. Ela é a
criatura humana em comunhão com o Criador. Comunhão harmoniosa que refaz a
origem (Gn 1-2) e não quebra nem diminui a liberdade da criatura, mas a
enriquece e a plenifica. Olhar para Nossa Senhora é olhar para a mulher que
aponta para a possibilidade da liberdade humana colocada em sintonia com Deus.
Ela é a mulher que acredita no Deus libertador. Ela acredita em Javé (Ex
3,7-10).
Em Maria se reflete o amor de Deus pela criação,
passando pela criatura humana. Assim, ela não é uma figura a parte na fé, mas
alguém que esclarece, auxilia, sinaliza. O teólogo Clodovis Boff, em seu livro
"Introdução à Mariologia", nos coloca ainda outros objetivos para o
conhecimento de Maria:
a. Existe um porquê espiritual: crescimento no amor e
na devoção. Conhecer Maria nos faz crescer na nossa devoção em relação à Mãe de
Deus, também em relação ao próprio Deus. A devoção mariana não para na pessoa
de Maria, é sempre voltada à Trindade, diz o Papa João Paulo II. Crescer na
devoção e no amor por Maria é crescer no amor e na devoção pela humanidade e
pela criação, amadas por Deus. Daqui poderemos tirar compromissos comunitários,
solidários, ecológicos.
b. Existe um porquê moral: conhecer Maria para
imitá-la. Este motivo talvez seja o mais belo e também o mais difícil, pois é o
mais conflitivo. Normalmente, conhecemos pouco de Maria e até nos espantamos
quando nos aprofundamos em sua vida. Maria é a mulher que teve o coração
traspassado pela dor (Lc 2,35), teve a vida "virada e revirada"
tantas vezes por Deus (seu Filho) e seus seguidores, sempre aprendendo, sempre
dando passos, se mantendo fiel no caminho.
c. Há um motivo cultual: celebrar de modo adequado
liturgicamente e devocionalmente Nossa Senhora. Mais uma vez São João Paulo II
nos lembra que a verdadeira celebração leva a Deus Trindade, mesmo quando
celebra Maria. Muitas celebrações litúrgicas e devocionais, ao longo do ano,
lembram aos cristãos a presença, a fé, a força, o exemplo, as graças, a
intercessão da Virgem santa. Nessas celebrações, à medida que aprofundamos o
conhecimento da vida da Mãe do Senhor, vamo-nos dando conta de que ela nos
estende a mão por estar do nosso lado, voltada para Deus como nós e conosco.
d. Há um porquê pastoral: ter a capacidade de
evangelizar, de comunicar o sentido de Maria ao Povo de Deus e à sociedade. O
conhecimento sobre Maria não pode ficar preso no coração de cada um. Quem
aprofunda sua fé, seu conhecimento, sua celebração, sua espiritualidade em torno
da pessoa de Maria torna-se, pouco a pouco, testemunha do Evangelho do Senhor
Jesus. Entra em diálogo com o Povo de Deus, a partir de sua comunidade, e com a
sociedade. Conhecer Maria é abrir-se ao diálogo evangelizador. Isso significa:
estar pronto para dar razões da própria fé (1Pr 3,15), sem desvalorizar a fé
dos outros; acolher as diferenças, buscando enriquecer a vida. Nesse diálogo
evangelizador o Concílio Vaticano II convida a olhar para Maria como a
intercessora pela unidade entre todos os cristãos (LG 69).
Aqui inicia o
compromisso ecumênico. Maria nos leva a pensar seriamente no ecumenismo e no
diálogo inter-religioso, mesmo que "os outros" não gostem de, não
rezem a, não cultuem Maria.
1.2 Como conhecer Maria?
Maria se encontra no coração da história da salvação,
no coração do mistério. Mistério não é algo desconhecido, mas é algo que se
revela, que quer ser conhecido. Mistério não é algo que nos causa medo, é algo
que nos causa admiração. Diante do mistério é inevitável a atitude do silêncio,
do silêncio contemplativo. Esse silêncio, porém, não é estático, pois gera uma
força interior que transforma a vida, modifica, pouco a pouco, o pensamento e o
coração. O mistério merece respeito e reverência. Maria faz parte do mistério.
Conhecer Maria exige respeito e reverência. Isso não significa que não se pode
tocar no mistério, que não se pode tocar em Maria. Congelar o mistério, não
tocá-lo, colocá-lo numa redoma de vidro, isso sim seria falta de respeito e de
reverência. Assim também com Maria.
Maria é uma mulher profundamente inserida na história
da salvação, por isso, profundamente inserida na história de seu povo, tirá-la
do seu tempo e de seu contexto é desrespeitá-la. Somente compreendendo-a no seu
tempo e no seu contexto é que poderemos entender o seu significado para todos
os tempos e para todos os contextos. Nesse caminho existem algumas fontes que
nos ajudam:
a. A Bíblia: fonte principal de toda a teologia. A
Palavra de Deus, lida ao longo dos séculos, é critério fundamental para o
conhecimento de Maria. Sempre lida dentro da Tradição eclesial, não esquecendo
a diversidade de enfoques, que enriquece e ilumina o conhecimento e a
espiritualidade.
b. O “sensus fidelium”, ou seja, aquela sensibilidade
nascida da fé mais profunda e genuína consensual dos fiéis. Essa sensibilidade
ao longo dos tempos contribuiu para compreender a revelação divina continuada
na vida concreta das comunidades, também na pessoa de Maria.
c. A Tradição: primeiros teólogos, chamados de Padres
da Igreja ou Santos Padres. Duas fontes que se unem numa vertente de vida de
fé: teologia original e liturgia. A Igreja celebra o que crê e crê o que
celebra.
d. O Magistério
pastoral: Concílios, Santa Sé, ensinamento e pregação dos pastores reunidos ou
individualmente. Os que foram constituídos pastores da Igreja exercem uma
função de ensino e, por isso, ajudam a compreender a revelação divina.
e. A Teologia: estudo e reflexão sistemática e crítica
da doutrina e da fé da Igreja. A teologia e a “ferramenta” usada para
aprofundar de modo crítico o conhecimento e a fé em Deus.
Essas fontes sozinhas não têm força. Elas precisam ser
trabalhadas com métodos. Um primeiro método quem nos sugere é o Concílio
Vaticano II, quando, ao falar do método teológico no documento Optatam
Totius, ao número 16, cita São Boaventura: “(Ninguém) pense que basta a
leitura, sem unção, a especulação, sem devoção, a pesquisa, sem admiração, a
observação, sem a exaltação, a arte, sem a piedade, a ciência, sem a caridade,
a inteligência, sem a humildade, o estudo, sem a graça divina, a contemplação,
sem a sabedoria divinamente inspirada”. Aqui se lembra a necessidade de unir fé
e razão, colocando o acento na devoção. O estudo sobre Maria somente será
frutuoso se for feito com devoção. Quando puramente racional, o conhecimento
sobre Nossa Senhora se torna seco, árido e leva à profunda crise de fé e de
relacionamento com Deus.
Outro método nos é dado pela Igreja Latino-americana
e, de modo especial, vem sendo usado pela CNBB em seus documentos pastorais. É
o método que parte da vida, constatando as realidades sensíveis, as
fragilidades, as necessidades, as alegrias, as forças, passando para a
iluminação da palavra de Deus e da fé, identificando o que Deus tem a dizer
sobre o constatado na vida. Por último, olhando para a vida e para Deus, se
busca a resposta sobre o que é possível fazer. Esse método ficou conhecido
como: ver, julgar e agir. Hoje acrescentamos a esse método avaliar e celebrar,
pois nosso conhecimento deve ser aprofundamento da fé (conhecimento da vida e
iluminação de Deus), evangelização (transformação da vida), re-proposta de ação
(avaliação para continuar aprofundando e transformando a vida) e celebração
(comunhão cada vez mais plena com Deus e com os irmãos e as irmãs na fé).
Podemos tentar resumir: o conhecimento de Maria será
tanto mais legítimo, quanto mais aprofundado nas fontes a partir da vida com
devoção.
1.3 O que atrapalha?
É importante ter consciência que algumas coisas
atrapalham o conhecimento de Maria.
a. Uma atitude
espiritualizante. Pensar que tudo deve ser visto somente do ponto de vista
espiritual é um erro muito comum no estudo sobre Maria. Ela é pessoa completa.
Deus não tirou a sua vida na história, na sociedade de Israel, no seu tempo.
b. Uma atitude maximalista. Colocar Nossa Senhora como
o “máximo”. Ao longo da história ocorreram exageros. Ela é importante. Ela
ocupa um lugar singular. Porém, se deve tomar cuidado para não colocá-la no
lugar de Deus. Sua função, como a de qualquer criatura, é subordinada a Cristo.
Ela mesma diz “Fazei tudo o que Ele vos disser” (Jo 2,5).
c. Uma atitude minimalista. Já que não é o máximo
então é o mínimo. Também ocorreu na história e também não é correta. Ela está
no coração da história.
d. Uma atitude puramente devocional. Por causa da
devoção não se pode dizer nada que pareça ferir a honra de Maria ou que vá
contra aquilo que se crê. É importante lembrar que nem sempre nossa devoção
está construída corretamente e, por isso, muitas coisas irão nos questionar,
mas não irão machucar Maria, pelo contrário irão honrá-la ainda mais, pois a
farão verdadeiramente serva do Senhor, como ela mesma se chamou (Lc 1,38).
e. Uma atitude puramente racional. Com facilidade
alguns jogam fora dados de fé que não entendem, simplesmente porque a razão não
explica, esquecendo de “imitar”, Maria que guardava e meditava todas as coisas
em seu coração (Lc 2,19.51).
1.4 Uma observação
As lições que seguem não têm a pretensão de trazerem
uma reflexão acabada e completa sobre Maria. Também não têm a vontade de ser
uma simples repetição do que já está dito em outros escritos, lançando o
convite/desafio a buscar este conhecimento, partilhado por tantos autores e
autoras, teólogos e teólogas devotados à Mãe de Deus.
Existe muito material escrito em bibliotecas e
livrarias, por autoridades eclesiásticas, por estudiosos e por pessoas simples,
que contêm uma profundidade maravilhosa sobre a vida e o significado de Nossa
Senhora na história e no plano de Deus. É verdade que também há muita coisa que
deve ser vista com olhos atentos, pois carregam ressentimentos e enganos.
As
reflexões propostas nos dez próximos encontros querem trazer propostas e
questões que ajudem a ampliar horizontes, atendendo o convite, ainda ressoante,
do ano jubilar de 2000: “Avança para águas mais profundas” (Lc 5,4).
Distancia-te para águas mais abrangentes! Aprofunda a tua fé.
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