Na Sexta-feira Bento XVI viaja para o Líbano, naquilo que muitos consideram ser a sua viagem mais arriscada até agora.
Qual é o risco? O principal perigo vem da Síria. A guerra civíl na Síria é em grande parte um conflito religioso/étnico, mas que tem ramificações regionais muito importantes. O confronto é fundamentalmente entre sunitas da oposição e o regime composto por alauítas, um ramo do Islão xiita. Do lado dos rebeldes encontramos todos os países de maioria sunita e do lado do regime os países de maioria xiita, nomeadamente o Irão e o Iraque.
O Líbano está numa posição particularmente complicada. Naquele país vivem xiitas e sunitas em números significativos e há sempre um risco de o conflito se espalhar para lá, como já aconteceu algumas vezes em casos isolados e específicos. É preciso ter em conta também o factor Hezbollah. O partido xiita é actualmente a principal força do Líbano, não só em termos políticos mas também em termos militares. E quem arma o Hezbollah? O Irão. Mas as armas só chegam lá com a conivência da Síria e do regime Sírio.
Por isso vemos que o Hezbollah tem todo o interesse, aliás um interesse vital, em sustentar o regime de Bashar Al-Assad. Se este cair o Hezbollah fica isolado, para gaudio do bloco sunita. Por isso quanto mais fraco fica o regime sírio, maior o perigo de uma reacção desesperada do Hezbollah.
Como é que isto pode afectar a visita do Papa? A verdade é que provavelmente não afectará. O risco da visita do Papa não é tanto directo como indirecto. Se de um momento para o outro o conflito espalhar para o Líbano, então não será seguro para ninguém, quanto mais para Bento XVI. Mas os grupos muçulmanos não terão qualquer interesse, neste momento, em atingir o Papa e hostilizar essa forma a Igreja e o Ocidente. O Irão preza muito as suas relações diplomáticas com a Santa Sé, e por mais que os grupos islâmicos clamem contra o Cristianismo, reconhecem no Vaticano uma voz de moderação e de paz nos assuntos do Médio Oriente que, por exemplo, não hesitou em dizer às potências ocidentais que condenava a invasão do Iraque em 2003.
Presidente Michel Suleiman e o Patriarca maronita
Bechara Rai, dois dos cristãos mais influentes
Porquê o Líbano?
O Papa vai ao Médio Oriente entregar a exortação apostólica relativa ao sínodo dos bispos para o Médio Oriente, que decorreu no Vaticano em 2010. A escolha do Líbano faz sentido porque é o único país da região que tem uma grande proporção de cristãos e o único, por exemplo, que tem um chefe de Estado cristão.
Mas independentemente disso, e apesar dos riscos, que locais são mais seguros? O Iraque não tem condições de segurança ainda para receber uma visita deste nível, o Egipto está demasiado instável e, sobretudo, tem um número muito pequeno de católicos, apesar de ter muitos cristãos coptas ortodoxos. A Síria seria uma boa-escolha há dois anos, mas actualmente é obviamente impossível. A Jordânia é estável e tem uma população cristã, mas é pequena e ainda por cima o Papa já lá foi.
Restam países que não têm qualquer população católica significativa ou que simplesmente não permitem actividades cristãs, como é o caso da Arábia Saudita.
As grandes questões
Há várias questões que merecem a nossa atenção durante esta visita. Bento XVI vai certamente falar da questão da fuga dos cristãos do Médio Oriente, uma situação que é dramática em vários países. A única excepção poderá ser o Líbano e até há pouco tempo era também a Síria.
Será inevitável falar da questão Síria. Aí podemos esperar sobretudo os costumeiros apelos à paz, mas seria bom talvez uma palavra forte dirigida aos cristãos, a insistir que não peguem em armas, mesmo que se sintam ameaçados, algo que parece que já estará a acontecer nalguns bairros de Damasco.
Para mim, contudo, a grande questão a abordar é a falta de unidade entre os cristão do Médio Oriente. O Cristianismo lá é uma autêntica manta de retalhos, o que é maravilhoso em termos de variedade e tradições litúrgicas e espirituais, mas um verdadeiro pesadelo quando toca a representar os interesses dos cristãos em geral. Pelo que tenho conseguido apurar, os bispos das diferentes igrejas, mesmos as diferentes igrejas católicas, não falam uns com os outros, não se coordenam. Cada um olha só para o seu próprio quintal. O resultado é que são sempre um alvo fácil. Será que o Papa vai falar disso?
18 comunidades diferentes
O Líbano é um microcosmo de todo o Médio Oriente. Penso que não haverá corrente religiosa que não esteja representada. Ao todo existem 18 confissões religiosas com reconhecimento oficial. No universo islâmico há os sunitas e os xiitas e ainda os alauitas e os drusos. No Cristianismo há ortodoxos de diferentes ramos e depois uma panóplia de igrejas católicas. Latinos, Maronitas, Melquitas, Siríacos, Caldeus, Arménios... de tudo um pouco.
Os cristãos ao todo serão mais de 30%, uma diminuição, uma vez que já foram maioria. Não são representados por um só partido político, mas têm vários partidos, alguns que são aliados dos xiitas, outros dos sunitas.
Isto é uma visão muito geral do país e da situação que o Papa vai encontrar. Se tiverem mais dúvidas a esclarecer deixem um comentário que, quando tiver tempo, farei os possíveis por responder.
Filipe d'Avillez
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