A Assunção de Maria foi o
último dogma a ser proclamado, por obra do papa Pio XII, a 1o de novembro de
1950. Na Constituição Apostólica “Munificentissimus Deus”, o Pontífice afirmou
que, depois de terminar o curso terreno de sua vida, ela foi assunta de corpo e
alma à glória celeste. Mais de 200 teólogos, em todas as partes da Igreja,
demonstraram interesse e entusiasmo pela definição dogmática. Imaculada e
assunta aos céus, Maria é a realização perfeita do projeto de Deus sobre a
humanidade. “A Assunção manifesta o destino do corpo santificado pela graça, a
criação material participando do corpo ressuscitado de Cristo, e a integridade
humana, corpo e alma, reinando após a peregrinação da história” (CNBB -
Catequese renovada, 235).
Os
dogmas marianos iluminam a vida espiritual dos cristãos. “Os dogmas são luzes
no caminho de nossa fé, que o iluminam e tornam seguro” (Catecismo da igreja
católica, 90). A Assunção de Nossa Senhora é uma doutrina que ilustra bem o
modo como a Igreja interpreta as Escrituras e a Tradição: não como se fossem um
manual dogmático preciso e detalhado, com todas as verdades resumidas em fórmulas
teológicas bem lapidadas, mas como um depósito que deve ser objeto de pesquisa,
estudo e aprofundamento. Os protestantes, por sua vez, fazem da Bíblia a única
regra de fé e, o que é pior, interpretam o Livro Sagrado de acordo com seus
preconceitos individuais. Apesar de alardearem a soberania da Escritura, os
protestantes, na verdade, colocam a própria interpretação acima da Palavra de
Deus.
A
Bíblia é refém de cada crente, que "recebe do Espírito Santo" a
capacidade de interpretar seus textos sem errar. Daí nascem as infindáveis
divisões, seitas e denominações "evangélicas". No entanto, como já
demonstramos em outro lugar (ver o número 2 deste folheto), nem o "Só a
Bíblia", nem o livre exame encontram sustentação na Escritura. Quem possui
autoridade para interpretar autenticamente a Bíblia é a Igreja, "coluna e
sustentáculo da verdade" (cf. 1Tm 3,15). A interpretação pessoal dos
textos sagrados é ilícita (cf. 2Pd 1,20; 2Pd 3,15s). Não nos devemos espantar
ao saber que a Bíblia não afirma, explicitamente, a Assunção da Virgem Maria.
Embora esta doutrina se encontre radicada na Escritura, ela não pode ser
deduzida pelos critérios protestantes ou através de uma exegese
científica. A Bíblia apresenta pistas e
indicadores que apontam para esta verdade. A Igreja, assistida pelo Espírito
Santo, soube discernir estas pistas, e encontrou elementos suficientes para
definir a Assunção de Nossa Senhora como doutrina revelada, a ser crida por
todos os fiéis.
a. Fundamentos Bíblicos
"Anunciamos, declaramos e
definimos como dogma divinamente revelado que a Imaculada Mãe de Deus sempre
Virgem Maria, terminado o curso da vida terrena, foi levada em corpo e alma
para a glória celeste" (Constituição Apostólica Munificentissimus Deus, 1º
de novembro de 1950 - Definição do dogma da Assunção).
Em 1950, o papa Pio XII definiu a Assunção como dogma de
fé. Não foi uma decisão tomada de um dia para o outro, mas o fruto maduro de um
longo processo de aprofundamento da Escritura e da Tradição."Porei
inimizade entre ti e a mulher, entre tua linhagem e a linhagem dela. Ela te
esmagará a cabeça e tu lhe ferirás o calcanhar" (Gn 3,15). Este trecho do Gênesis, chamado de
protoevangelho, é o primeiro anúncio do triunfo de Cristo sobre o Diabo e,
juntamente com Cristo, do triunfo de Maria, a mulher que esmaga a cabeça da
serpente. Como nova Eva, a Virgem Maria está estreitamente unida ao novo Adão
na sua luta contra o pecado e no seu triunfo sobre a morte.
"Honra
teu pai e tua mãe, para que se prolonguem os teus dias na terra que Iahweh teu
Deus, te dá" (Ex 20,12). Sabemos que Cristo foi o mais perfeito cumpridor
dos mandamentos. Portanto, além de honrar o Pai, deveria também honrar a mãe.
Qual o filho que, tendo o poder de livrar sua mãe da morte e da corrupção, não
o faria? Um filho que abandonasse a própria mãe desta forma não a estaria
desonrando?
"Entre as tuas amadas estão as filhas do rei; à tua direita uma dama,
ornada com ouro de Ofir. Ouve, ó filha, vê e inclina teu ouvido: esquece o teu
povo e a casa do teu pai, que o rei se apaixone por sua beleza: prostra-te à
sua frente, pois ele é o teu senhor! Vestida com brocados, a filha do rei é
levada para dentro, até o rei, com séquito de virgens. Introduzem as companheiras a ela destinadas, e com júbilo e alegria elas entram
no palácio" (Sl 45(44),10-12.14b-16). Neste texto os Santos Padres viram a
Virgem Maria em sua entrada triunfal na glória, aproximando-se do trono do Rei
imortal, Cristo Senhor.
"Levanta-te,
Iahweh, para o teu repouso, tu e a arca da tua força" (Sl 132(131),8). A
arca da aliança, segundo muitos teólogos, pregadores e doutores, é figura do
corpo puríssimo da Virgem Maria, que portou a Nova Aliança entre Deus e os
homens, Jesus Cristo. Assim como a arca, feita de madeira incorruptível, o
corpo da Virgem não poderia conhecer a degradação do sepulcro. Antes, foi
levado para o Santuário Celeste, para junto de Deus. Acreditam
os judeus que o Senhor protegeu a arca do saque do Templo, efetuado pelos
babilônios sob a liderança de Nabucodonosor, no século VII a.C. O Apocalipse de
Baruc, do final do século I d.C., menciona um anjo que removeu os objetos
sagrados do Santuário, escondendo-os em lugar secreto antes da chegada dos
babilônios.
O
Apocalipse de João nos mostra a antiga arca no Céu: "O templo de Deus que está no Céu se abriu, e apareceu no templo a
arca da sua aliança. Houve relâmpagos, vozes, trovões, terremotos e uma grande
tempestade de granizo" (Ap 11,19). Se
a arca que continha a antiga Lei foi preservada, quanto mais a novíssima arca
que trouxe em seu seio não tábuas de madeira, mas o Verbo Santo de Deus!
"Que é aquilo que sobe do deserto, como
colunas de fumaça perfumada com incenso e mirra, e perfumes dos
mercadores?" (Ct 3,6). A esposa dos Cânticos é figura de Maria,
esposa celeste que, com o divino Esposo, sobe ao Céu. "Entrando onde ela estava, disse-lhe: ‘Alegra-te, cheia de graça,
o Senhor está contigo!’" (Lc 1,28). A Assunção é mais uma graça
concedida por Deus a Maria, uma benção que se opõe à maldição lançada sobre Eva
(cfr. Gn 3,19). "Um sinal grandioso
apareceu no céu: uma Mulher vestida com o sol, tendo a lua sob os pés e sobre a
cabeça uma coroa de doze estrelas; estava grávida e gritava, entre as dores do
parto, atormentada para dar à luz. Apareceu então outro sinal no céu: um grande
Dragão, cor de fogo, com sete cabeças e dez chifres e sobre as cabeças sete
diademas; a sua cauda arrastava um terço das estrelas do céu, lançando-as para
a terra.
O Dragão colocou-se diante da Mulher que estava para dar à luz, a fim
de lhe devorar o filho, tão logo nascesse. Ela deu à luz um filho, um varão,
que irá reger todas as nações com cetro de ferro. Seu filho, porém, foi
arrebatado para junto de Deus e de seu trono, e a Mulher fugiu para o deserto,
onde Deus lhe havia preparado um lugar em que fosse alimentada por mil duzentos
e sessenta dias. Ao ver que fora expulso para a terra, o Dragão pôs-se a
perseguir a Mulher que dera à luz o filho varão. Ela, porém, recebeu as duas
asas da grande águia para voar ao deserto, para o lugar em que, longe da
Serpente, é alimentada por um tempo, tempos e metade de um tempo. A Serpente,
então, vomitou água como um rio atrás da Mulher: a terra abriu sua boca e
engoliu o rio que o Dragão vomitara. Enfurecido por causa da Mulher, o Dragão
foi então guerrear contra o resto dos seus descendentes, os que observam os
mandamentos de Deus e mantêm o Testemunho de Jesus" (Ap
12,1-6.13-17).
A
Mulher vestida de sol em Ap 12 é, primeiramente, a Igreja. Também identificamos
esta Mulher com a Mãe do Senhor, que esmaga a cabeça da Serpente (cfr. Gn
3,15). Convém lembrar aqui as várias vezes em que Jesus se dirige à
sua mãe chamando-a de "Mulher" (cfr. Jo 2,4; 19,26). Maria é, assim,
tipo da Igreja, o novo Israel de Deus, lavada e santificada no sangue do
Cordeiro, imaculada e incorruptível (cfr. Ef 5,25-27). A morte e a corrupção do
corpo são conseqüência do pecado (cfr. Gn 3,19; Sl 16(15),10). "Eis
porque, como por meio de um só homem o pecado entrou no mundo e, pelo pecado, a
morte, e assim a morte passou a todos os homens, porque todos pecaram" (Rm
5,12). "Porque o salário do pecado é a morte, e a graça de Deus é a vida
eterna em Cristo Jesus ,
nosso Senhor" (Rm 6,23). "Com efeito, visto que a morte veio por um
homem, também por um homem vem a ressurreição dos mortos. Pois, assim como
todos morrem em Adão, em Cristo todos receberão a vida" (1Cor 15,21-22). A
Lei do pecado atinge a todos, exceto o Cristo e sua mãe. Se a carne de Cristo
não conheceu a corrupção do sepulcro, então a carne de Maria, que é a mesma carne
de Cristo, também não pode ter se corrompido. Maria foi levada para junto de
seu Filho em corpo e alma.
Não
é demais lembrar que a Escritura apresenta precedentes para a assunção
corporal. Os casos de Henoc, Elias e Moisés são bem conhecidos (cfr. Gn 5,24;
Hb 11,5; 2Rs 2,1.11; Jd 2,9, que cita o apócrifo Assunção de Moisés). Paulo foi
arrebatado até o terceiro céu (2Cor 12,2-4). No fim dos tempos, depois da
ressurreição dos mortos, os que estiverem vivos serão arrebatados (1Ts
4,15-17). Alguns poderiam objetar citando 1Cor 15,23: "Cada um, porém,
[ressuscitará] em sua ordem: como primícias, Cristo; depois, aqueles que
pertencem a Cristo, por ocasião da sua vinda" (1Cor 15,23). O Evangelho,
porém, relata que muitos mortos reviveram depois da ressurreição de Jesus:
"Abriram-se os túmulos e muitos corpos dos santos falecidos ressuscitaram.
E, saindo dos túmulos após a ressurreição de Jesus, entraram na Cidade Santa e
foram vistos por muitos" (Mt 27,52-53). Os últimos tempos, que marcam o retorno
de Cristo, já começaram. É preciso deixar claro aqui que Maria não subiu ao Céu
por seu próprio poder, como ocorreu com Cristo na Ascensão, mas foi elevada
pelo poder de Deus. Aquela que, durante a vida, foi toda graça e gratuidade,
recebeu no fim de sua peregrinação terrestre a sublime graça de entrar íntegra
na glória eterna.
Podemos nos perguntar, de passagem, se a Virgem experimentou a morte ou foi
imediatamente transfigurada. Não existe nenhuma posição oficial da Igreja a
respeito. Isenta do pecado, a Mãe do Senhor certamente é imune às suas nefastas
conseqüências, entre elas a morte corporal. Porém, com a intenção de se
associar mais perfeitamente a seu Filho, o qual deu a vida pelos pecadores, é
razoável supor que ela passou por esta experiência.
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