SER
CRISTÃO NO MUNDO
É impossível pensar a Igreja sem antes disto pensar o
mistério da Encarnação do Verbo. Somente à luz de Jesus de Nazaré, o Verbo
Eterno de Deus feito carne é que podemos pensar a nossa Igreja, sua Esposa e
sua missão no mundo. Cristo é seu fundador e é quem a conduz até a consumação
do tempo.
Apenas à luz da missão de Jesus é que a Igreja poderá
entender a sua própria vocação e missão neste mundo. Ela deve continuar sua
missão, alimentando-se do Seu corpo e sangue Anunciando a sua morte e proclamando a sua Ressurreição até que Ele
volte. Jesus é verdadeiro Sacerdote, Profeta e Pastor, na unção do Espírito
Santo, desde sua encarnação e por toda a eternidade.
Pela graça batismal, participamos da vida divina e nos
tornamos filhos e filhas de Deus em Cristo. Por meio do Batismo todo cristão está
relacionado estreitamente com Cristo e dele recebe continuamente a motivação e
a ajuda para viver sua própria missão.
Jesus, oferta perfeita e agradável
a Deus
Durante toda a sua vida terrena, Jesus fez questão de
deixar claro que em tudo faria a vontade do Seu Pai, pois esta era para ele o
próprio alimento, ou seja, o sentido de sua vida entre nós. Obediente à vontade
do Pai, com quem vive uma perfeita comunhão, em tudo, menos no pecado, Jesus se
fez um de nós. “Ele assumiu a condição de servo, tomando a semelhança humana”
(Fl 2,7), sentiu as dores próprias da nossa condição humana, as nossas
fraquezas, humilhações, angústias e sofrimentos. Embora “fosse Filho, aprendeu
a obediência pelo sofrimento e se tornou para todos os que lhe obedecem
princípio de salvação eterna” (Hb 5,8), e desta maneira, nenhuma dor ou
sofrimento de nenhum homem na terra é desconhecida aos olhos de Deus pois em
sua carne Ele traz as marcas da Paixão.
“Jesus é o Filho de Deus, a Palavra feita carne (cf.
Jo 1,14), verdadeiro Deus e verdadeiro homem, prova do amor de Deus aos homens.
Sua vida é uma entrega radical de si mesmo a favor de todas as pessoas,
consumada definitivamente em sua morte e ressurreição. Por ser o Cordeiro de
Deus, ele é o Salvador. Sua paixão, morte e ressurreição possibilitam a
superação do pecado e a vida nova para toda a humanidade” (Documento de Aparecida
102).
O Seu sacrifício sacerdotal, próprio de toda a
vida chega ao extremo no altar da cruz, onde Seu corpo traça entre céu e terra
o sinal permanente da nossa Reconciliação com Deus. Depois de “ter oferecido um
sacrifício único pelos pecados” (Hb 10,12), Ele entrou no santuário de Deus,
como “mediador da nova aliança” (Hb 9,15), aliança firmada de forma absoluta
por meio de Seu sangue. Pela obediência “até a morte”, e de uma forma mais
aniquiladora, obediência até a mais temida morte de sua época: a morte de
cruz!” (Fl 2,6-11), Jesus recebeu do Pai o título de Sumo Sacerdote (Hb 5,10).
“Em tudo ele se tornou semelhante aos irmãos, para ser, em relação a Deus, um
sumo sacerdote misericordioso e fiel, para expiar os pecados do povo” (Hb
2,17).
Por isso, Jesus possui por toda a eternidade (Hb
7,17), “um sacerdócio imutável e, por isso, é capaz de salvar
totalmente aqueles que, por meio dele, se aproximam de Deus” (Hb 7,24-25).
Cristo, sumo e eterno Sacerdote apresenta ao Pai a sua Igreja, santa, imaculada
e irrepreensível, contanto “que permaneça alicerçada e firme na fé e sem se
afastar da esperança do Evangelho que recebeu e que foi anunciado a toda
criatura que vive debaixo do céu” (Cl 1,23).
Hoje por nós, para nós e conosco, Nosso Sumo Sacerdote
continua a obra da salvação e da santificação por meio da ação litúrgica (cf. Sacrosanctum
Concilium 7c). O sacrifício de Cristo realizado uma vez por todos no altar da
cruz e o sacrifício Eucarístico são o mesmo sacrifício que redime e santifica a
humanidade. A Eucaristia instituída por Jesus na noite em que reuniu os seus
pela última vez, é um meio de tomarmos parte no mistério da Redenção.
Quando nos reunimos como comunidade para celebrarmos a
Eucaristia, estamos cumprindo a ordem deixada por Jesus segundo a qual, devemos
fazer isto em sua Memória. Quando
comungamos, participamos do mistério do Deus que se fez homem e entregou a sua
vida para nos salvar, e por Ele alimentados, somos chamados a segui-lo em
espírito de humildade, amor e serviço.
A perene presença de Jesus na Igreja é para nós causa
de paz e de alegria, esperança, certeza de reconciliação e de verdadeira
aliança entre Deus e todos aqueles que estão reunidos em torno da Palavra e da
Mesa onde Jesus se faz presente. Este Sacerdócio de Cristo se torna presente no
sacerdócio ministerial, sem diminuir em nada a Sua unicidade. Ele é o único e
eterno Sacerdote; os demais são seus ministros (CIC 1545). Por Ele é que o
Espírito age sempre e se faz presente na Igreja, agindo nos corações dos
discípulos para que tendo o coração aquecido pela Palavra que escutam, possam
reconhecer o divino Mestre no pão que é corpo de Cristo e também no gesto
solidário de partilhar o pão com os famintos de nossa sociedade.
Jesus Cristo, Palavra
Eterna de Deus e alimento para o Mundo
No capítulo que o Evangelho de João dedica à
Eucaristia (Jo 6), Simão Pedro afirma que não poderíamos seguir a outro pois só
Jesus “tem palavras de vida eterna”. O mesmo João afirma que “Aquele que
Deus enviou fala as palavras de Deus” (Jo 3,34). É Jesus que realiza a obra de
salvação que lhe é confiada pelo Pai. “Como discípulos de Jesus, reconhecemos
que ele é o primeiro e maior evangelizador enviado por Deus (cf. Lc 4,44) e, ao
mesmo tempo, o Evangelho de Deus. Cremos e anunciamos ‘a boa nova de Jesus,
Messias, Filho de Deus’ (Mc 1,1). Como filhos obedientes à voz do Pai, queremos
escutar a Jesus (Lc 9,35), porque ele é o único Mestre” (Mt 23,8),
disseram os bispos reunidos em Aparecida (DAp 103).
Por meio de Seu amado Filho Jesus, Deus falou com a
humanidade e mostrou a Sua face que até então ninguém havia visto (Jo 1, 18), a
Ele, o Pai “fez herdeiro de todas as coisas e pelo qual também criou o
universo” (Hb 1,2). Jesus expressa em palavras e ações tudo aquilo que a
Palavra de Deus contém. Cada ato d Jesus é expressão da vontade de Deus ao
mesmo tempo em que dá a atividades humanas o caráter divino. Por ser Ele mesmo
a “Palavra de Deus feita carne” é que tem “palavras de vida eterna” para nos
comunicar.
Suas atividades sempre balizadas pelas Escrituras,
fazem com que boa parte das pessoas o reconheçam como o concretizador das
profecias. Nele, muitos viam “verdadeiramente, o profeta!” (Jo 7,40). E
envolvidos pela grandiosidade de suas ações, muitos davam glórias a Deus,
dizendo: “Um grande profeta surgiu entre nós e Deus visitou seu povo” (Lc
7,16). Até mesmo aqueles a quem o preconceito poderia afastar, como por
exemplo, a Samaritana, reconhecem a grandiosidade de Jesus: “Senhor, vejo que
és um profeta” (Jo 4,19).
“Jesus saiu ao encontro de pessoas em situações muito diferentes: homens
e mulheres, pobres e ricos, judeus e estrangeiros, justos e pecadores...
convidando-os a segui-lo. Hoje, segue convidando a encontrar nele o amor do
Pai. Por isto mesmo, o discípulo missionário há de ser um homem ou uma mulher
que torna visível o amor misericordioso do Pai, especialmente aos pobres e
pecadores” (DAp 147). Incansável anunciador do Reino de Deus, Jesus percorria
toda a Galiléia, demonstrando o seu poder e sua intimidade com o Pai por meio
dos muitos sinais que realizava ao longo do caminho:
“Percorria toda a Galiléia, ensinando em suas sinagogas, pregando o
Evangelho do Reino e curando toda e qualquer doença ou enfermidade do povo. O
seu renome espalhou-se por toda a Síria, de modo que lhe traziam todos os que
eram acometidos por doenças diversas e atormentados por enfermidades, bem como
endemoninhados, lunáticos e paralíticos. E ele os curava. Seguiam-no multidões
numerosas, vindas da Galiléia, da Decápole, de Jerusalém, da Judéia e da região
além do Jordão” (Mt 4,23-25).
Ao entrar na Sinagoga de Nazaré, tomou para si o texto
do profeta Isaías e apresentou a si mesmo como o concretizador das palavras
sagradas: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me ungiu para que dê
a boa notícia aos pobres; enviou-me a anunciar a liberdade aos cativos e a
visão aos cegos, para por em liberdade os oprimidos, para proclamar o ano da
graça do Senhor” (Lc 4, 18-19). O coração da missão de Jesus está neste resumo
apresentado por Lucas. Jesus veio ao mundo para anunciar o Reino de Deus; viveu
cumprindo esta missão. E, para Jesus, anunciar não significa fazer um discurso;
o anúncio é prática, é atitude, é fazer acontecer. É por isso que o evangelista
declara: Passou fazendo o bem.
O Reino de Deus é o grande sonho de Deus para o mundo
e a humanidade. É o Reino da vida e da liberdade, prometido por Deus e buscado
intensamente pelo povo da Primeira Aliança. É o Reino da saúde e da
reconciliação, da partilha e da abundância. Onde não há mais distinção entre as
pessoas, nem excluídos. É o Reino do convívio amoroso e fraterno, da plenitude
da vida para toda a humanidade e para a natureza, Reino que inicia aqui e se
estende pela eternidade. Jesus anunciou e inaugurou este tempo do Reinado de
Deus e entregou a tarefa da continuidade aos seus discípulos.
Para Jesus era importante deixar claro a gratuidade do
anúncio, no despojamento total de quem não leva duas túnicas, nem cajado, muito
menos dinheiro. Os seus seguidores, seguindo o seu exemplo, jamais podem se
deixar envolver e dominar pelos bens deste mundo. Devem ser homens e mulheres
verdadeiramente livres e purificados pela Palavra que foi dita pelo próprio
Jesus (Jo 15,3). Na generosidade dos
discípulos, é refletida a generosidade do próprio Deus. “Na gratuidade dos
apóstolos, aparece a gratuidade do Evangelho” (DAp 31): “Não leveis bolsa, nem
alforje, nem sandálias...” (Lc 10,4) O discípulo-missionário toma uma
decisão a favor do Reino de Deus, em total conversão e mudança de vida, pois
“quem põe a mão no arado e olha para trás não é apto para o Reino de Deus” (Lc
9,62).
Sustentados pelas palavras de Jesus que são espírito e
vida (Jo 6,63.68). Continuamente atuais na Igreja, somos chamados a testemunhar
até o fim dos tempos a Boa Nova, continuando a missão de Jesus porque “somos
missionários para proclamar o Evangelho de Jesus Cristo e, nele, a boa nova da
dignidade humana, da vida, da família, do trabalho, da ciência e da
solidariedade com a criação” (DAp 103).
As palavras de Jesus serviram como censura a
incredulidade dos sacerdotes, condenação a hipocrisia e a arrogância do comportamento
farisaico, denúncia do rei e seus partidários (Mt 22,16-22), condenação
explicitamente do comércio da religião. “Entrou no templo e expulsou todos os
vendedores e compradores que lá estavam. Virou as mesas dos cambistas e as
cadeiras dos que vendiam pombas: A minha casa será chamada casa de oração. Vós,
porém, fazeis dela um covil de ladrões” (Mt 21,12-13).
Com suas palavras, vida e obras, Jesus é para sempre
alimento para todos os que desejam encontrar sentido e alento, esperança e
forças para buscar um mundo novo, que nas palavras do mestre é apresentado pelo
nome de Reino de Deus. É Ele mesmo que ainda hoje nos convida ao discipulado e
à conversão que é caminho para o Reino de Deus. Sua Palavra nos aponta o
caminho para um mundo que parece desnorteado e perdido, verdade para um mundo
que se acostumou a duvidar de tudo e se deixou engolir pelo relativismo e vida
para a humanidade sedenta de sentido e de esperança, e por isso, esta Palavra
que não é um conceito mas o próprio Filho de Deus, precisa ressoar pelos quatro cantos da terra.
Só é cristão quem se deixa interpelar pelo Carpinteiro de Nazaré e a cada dia
abre seu coração acolhendo dele constantemente as sementes que diariamente são
lançadas no terreno de nossas vidas!
O Bom Samaritano da Humanidade
Nada chama mais a atenção na atividade de Jesus do que
as suas reações diante das pessoas que eram reconhecidas pela sociedade de seu
tempo como pecadoras. “Ninguém te condenou? Tampouco eu te condeno. Vai, e de
agora em diante não peques mais” (Jo 8, 11). Todas as suas atividades e
encontros trazem a marca do perdão e da misericórdia. Jesus modifica todo um
modo de se relacionar com os que a sociedade rejeita. É claro que Ele não
aceita o pecado, mas de jeito nenhum quer perder o pecador. “Eu não vim ao
mundo para condenar, mas para salvar” (Jo 12, 47). No plano de Jesus há lugar
para todos, ninguém é deixado de lado.
Como o samaritano da parábola contada por Jesus, sua
capacidade de acolhida e compaixão se expressam de uma desafiadora diante dos
mais fragilizados. Sejam estes pecadores públicos, doentes, endemoninhados,
pobres ou excluídos. Chega a escandalizar a religião de seu tempo ao afirmar
que sua vinda ao mundo foi justamente por conta destas pessoas: “Não vim para
os sãos, mas para os doentes” (Mc 2, 17). Jesus não se cansa de mostrar que
todas as pessoas sempre devem ter direito a uma segunda chance e que Ele, age
como samaritano da humanidade reerguendo os que foram subjugados por uma
estrutura de pecado. Para Jesus todas as pessoas podem se converter e Nele
assumir uma vida nova (Mt 18, 21-22).
Do grupo constituído por Ele e reunido em Seu nome,
Jesus espera as mesmas atitudes de acolhida e misericórdia. Quando estava para
subir ao Pai, soprou sobre os discípulos o Espírito e lhes entregou a missão de
perdoar os pecados (Jo 20, 22-23).
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